SUSTENTAÇÃO DE ESCAVAÇÕES SUBTERRÂNEAS CIVIS E DE MINERAÇÃO

Resumo

As escavações subterrâneas são área de interface de atuação e estudo da Engenharia Civil, Engenharia de Minas e Geologia. Além da realização da escavação, é importante verificar as questões de necessidade de suporte, revestimento, tratamento (reforço) e monitoramento/instrumentação.

A caracterização do material sobre o qual se construirá é fundamental para orientar a construção, as necessidades futuras de manutenção e riscos durante o uso. Existem diversos dispositivos de suporte (como arcos e ancoragens) ou revestimento de aberturas (como telas, concreto simples, concreto reforçado), modos de preparação desses elementos e resistências intrínsecas que governarão seu modo de atuação como estrutura de sustentação da escavação. Os fatores de segurança diferem em relação à função da escavação, de sua vida útil (por exemplo, no caso da mineração).

O trabalho traz essa visão geral do planejamento, execução, dimensionamento da sustentação, revestimento e monitoramento de escavações subterrâneas, dentro do uso sustentável do espaço subterrâneo.

Faça aqui o download de uma versão resumida do artigo, publicada na edição 73 da revista In The Mine

1.Introdução

Túneis e outras escavações subterrâneas têm se tornado cada vez mais comuns e recomendados, pois permitem otimização do espaço, tanto em áreas urbanas como para atravessar zonas montanhosas e, ainda, como acesso à mineração e para extração do minério. Entretanto, as obras subterrâneas devem ser bem projetadas para que colapsos sejam evitados. Colapsos de estruturas e acidentes devem ser estudados para propiciar avanço de métodos construtivos e de sustentação de escavações em engenharia.

Além do suporte (com pilares ou as várias possibilidade de suportes artificiais), também é importante verificar as questões de necessidade de tratamento, reforço e o acompanhamento posterior (monitoramento/instrumentação).

São fatores determinantes na estabilidade de escavações subterrâneas em maciços rochosos: propriedades e características inerentes ao maciço rochoso ao redor da escavação; tensões (e forças externas atuantes) in situ, que são funções de sua profundidade e ambiente geológico; e as características da escavação.

Existe uma dicotomia na execução de túneis civis e mineração subterrânea. A abertura de túneis pode ser vista como um desenvolvimento de face simples, que permanece com uso em longa duração e, geralmente, com alto investimento de sustentação (contenção).

Já a mineração envolve múltiplas aberturas que se mantêm por um período de tempo relativamente mais curto, em que o engenheiro de minas realiza a proteção durante a escavação e controla deformações no maciço rochoso.

Túneis estão entre os mais antigos tipos de construção do homem (o primeiro túnel foi construído há cerca de 4 mil anos), sendo considerados solução para problemas específicos mas, em função da complexidade, representam a última alternativa, para Scabbia (2016). Têm com características a maior longevidade (superam 100 anos) e o menor impacto ambiental, encurtando distâncias.

O túnel Laerdal, que liga Oslo e Bergen, na Noruega, é o maior túnel rodoviário do mundo, com 25 km de extensão. O túnel rodoviário com maior seção do mundo é o Yerba Buena (EUA- 1936), que tem 24 m de largura e 17 m de altura. Entre túneis ferroviários, destaca-se o Tunelão – maior túnel do Brasil -, com 8,6 km extensão e o segundo da América Latina, ligando Bom Jardim a Santa Rita de Jacutinga (MG).

Em termos mundiais, São Gotardo (Suíça) é o maior túnel ferroviário do planeta, com 57 km de extensão, a 2,3 mil m de profundidade; concluído em 2016.

 

3.Projeto de suportes de escavações

Os fatores de segurança (ou a abordagem de probabilidade de risco) em projetos diferem em relação à função da escavação, de sua vida útil (principalmente no caso da mineração). As obras subterrâneas civis são projetos para uma existência superior a 100 anos. Para a extração de minérios, a forma geométrica da escavação geralmente não tem a simplicidade da de túneis, sendo muitas vezes de configuração irregular, exigindo vãos de dimensão mais considerável.

A caracterização do material sobre o qual se construirá (solo, rocha, material inconsolidado e presença de descontinuidades, água e sismicidade) é fundamental para orientar a construção, as necessidades futuras de manutenção e os riscos durante o uso.

Não há como elaborar um método de análise universal para a determinação de um projeto de suportes e avaliação de estabilidade de escavações, pois cada projeto é específico.

O projeto de suporte em mineração depende de custo, do método de lavra e de fatores locais como: profundidade (tensões), presença de água, escala e comportamento do maciço rochoso (descontinuidades).

As questões geológicas têm grande influência, portanto. Se deformações do maciço induzem ou não problemas de estabilidade, depende da razão entre a resistência do maciço e o nível de tensão in situ, principalmente em rocha branda. Nas estatísticas de eventos em túneis civis relacionados a esse fator tem-se um acidente (entre 23 ocorridos nos principais túneis; no Japão, em 1996), com escorregamento de encosta, queda de 50 mil t de material, com 20 mortos.

Em mineração, costuma-se classificar as estruturas de sustentação (conforme Silveira, 2005, adaptado por  Silva, 2016) em: suportes descontínuos – esteios, arcos ou “cambotas”, quadros, pilares naturais ou artificiais, fogueiras e suportes hidráulicos automarchantes; suportes contínuos ou revestimentos – telas, concreto projetado (shotcrete), straps e selantes (TSLs); reforço ou tratamento do maciço – ancoragens, injeções, congelamento de terreno e enfilagens.

A norma NBR 12.722/92 trata do projeto geotécnico, que inclui a orientação (análise, cálculo, métodos de execução) de suportes naturais/artificiais (como pilares, escoras e ancoragens). Os modos de preparação desses elementos e resistências intrínsecas governarão o modo de atuação como estrutura de sustentação da escavação. As normas ASTM são a referência mundial, inclusive com a terminologia nesse tema.

Somente com novas concepções de técnicas de suporte e aparecimento do NATM (New Australian Tunnelling Method) é que a engenharia de túneis pode evoluir para o atual patamar, mudando a concepção de suportes e criando materiais de suporte antes não utilizados, como o concreto projetado.

Antes do NATM, o revestimento era feito por etapas, removendo o escoramento de madeira e usando alvenaria de pedras ou tijolos, chegando a ter até 2 m de espessura. A quantidade de escoras de madeira que se utilizava nos casos mais difíceis era tão grande que, às vezes, um terço ou mais da seção escavada era ocupada. Tanto em obras civis como de mineração, a madeira foi perdendo espaço para outros materiais.

Com o NATM, em 1940, segundo Rabcewicz, entendeu-se que dificuldades e colapsos provinham da possibilidade, oferecida por todos os métodos conhecidos, de permitir relaxamentos iniciais do maciço e de deixar vazios entre os suportes e o terreno. O maciço rochoso circundante passa “de um elemento de carga a um elemento portante” (Mascarenhas, 2014). Portanto, com o conceito do próprio maciço contribuir com sua sustentação.

Durante muitos anos, as obras subterrâneas foram realizadas com base somente na experiência prática dos engenheiros, que definiam a metodologia construtiva a ser empregada e o sistema de suporte a ser adotado. E realizavam a previsão do comportamento do maciço durante a obra.

O dimensionamento empírico de tirantes, concreto projetado e cambotas é realizado com auxílio das classificações geomecânicas como dos índices Q e RMR (Waltham, 1995 apud Oliveira e Brito, 1998).

Com o passar do tempo e o desenvolvimento de outras áreas do conhecimento, o projeto de obras subterrâneas começou a usar a modelagem matemática para prever o comportamento do maciço e tentar compreender com mais propriedade sua resposta frente a obras.

 

4.Tipos de sustentação ou escoramento em escavações

As escavações podem necessitar de nenhum suporte artificial (autosuportante) ou de mais sistemas: concreto projetado (shotcrete), arcos (cambotas), tirantes, malhas de aço, concreto reforçado com fibras de aço, enfilagens, injeções, etc. O campo das injeções químicas tem se ampliado com novos produtos.

O concreto projetado consiste em lançar o material sob alta pressão contra as paredes do túnel. O impacto do concreto contra a base promove sua compactação, resultando em um revestimento de alta resistência. A dosagem de cimento é de 300 a 500 kg/m³; geralmente com 60 a 100 mm, e a espessura da camada pode chegar a 150 mm. Conforme Campanhã et al. (1998, citado por Mascarenhas, 2014), recomenda-se 20 a 50 mm de espessura de concreto, logo após a escavação e remoção dos chocos (blocos soltos), antes da perfuração para instalação dos tirantes. Outra grande vantagem do concreto projetado, quando se incluem fibras de aço, principalmente em rochas, é permitir acompanhar irregularidades da superfície escavada, mantendo a espessura especificada em projeto.

A espessura de revestimento de alvenaria pode ser determinada por modelagem numérica (Mirzamani et al., 2011) ou por fórmulas envolvendo a dimensão útil do poço, o limite de resistência à compressão da alvenaria e a pressão da rocha.

O shotcrete tem sido largamente usado em obras civis e de mineração, no revestimento de túneis, poços, galerias, reservatórios e recuperação de estruturas de alvenaria, combinado com telas, ancoragens ou vigas treliçadas. É difícil aplicá-lo em rochas de baixa coesão (algumas rochas sedimentares) e com afluxo de água. A mistura típica é: 4 (agregados): 1 (cimento): 0,2 (fibras), segundo Hjalmarsson (2011). A projeção pode ser realizada por robô.

Arcos (ou cambotas) são elementos metálicos curvilíneos instalados, via de regra, com plano normal ao eixo da escavação. São utilizados como fortificação (contenção) passiva, sendo capazes de suportar ou sustentar o peso da rocha fraturada em volta da cavidade e/ou as diversas tensões exercidas pelo maciço rochoso. Podem ser usados em associação com concreto projetado e telas, o que permite maior segurança à estabilização da zona de trabalho. A finalidade dos arcos é suportar as cargas do terreno nas primeiras horas após a escavação (CBPO/Figueiredo Ferraz, 1994).

São considerados suportes de alta deformabilidade, mas são caros, pesados e com pequena ligação com concreto, se for a opção de uso conjunto.

Telas  são dispositivos metálicos ou de poliéster utilizados para suportar pequenos blocos de rocha solta ou como reforço para a projeção de concreto, sendo passíveis de colocação mecanizada por equipamentos de perfuração (Figura 1) e comumente associadas a ancoragens.

 

Figura 1 –  Aplicação de tela em maciço escavado, junto com ancoragens e camada de concreto projetado.

 

Ancoragens consistem da introdução rígida (fixação) de barra de aço (tirante ou parafuso) ou flexível (cabo, cordoalha), em furo(s) previamente executado(s) através das camadas adjacentes à escavação, com o preenchimento ou não do espaço anular entre a barra e a parede do furo com argamassa de cimento não retrátil ou com resina. Os tirantes podem ser de teto, soleira ou de parede.

Constituem parafusos de ancoragem mecânica (parafusos de atrito – friction bolts -, modelo split-set ou swellex, por exemplo) ou com argamassa (resina, cimento ou solução expansível). Os friction bolts são ainda de uso crescente em túneis (Akhvlediani et al., 2016; Xu, 2016). Conforme International Mining (2016), o Túnel Laerdal, na Noruega, contém cerca de 200 mil parafusos de ancoragem, em 25 km. São também estruturas cada vez mais baratas, resistentes, de fácil instalação, versáteis e que apresentam redução da área escavada (Silva et al., 1998).

Enfilagens são exemplos de reforço do maciço, constituídos de estacas compostas por tubos colocados no maciço antes de executado o emboque da escavação e/ou do avanço da frente de trabalho, principalmente se o material é menos consolidado. Têm de 6 a 24 m de comprimento, sendo mais comuns aplicações de 9 a 12 m. Assim como as injeções e, de certo modo, as ancoragens, melhoram características de resistência, deformabilidade e/ou impermeabilidade do maciço.

 

  1. Monitoramento (Ground Control)

Assim como a escavação e a sustentação, o acompanhamento, monitoramento ou instrumentação do maciço rochoso tem papel fundamental, pois permite medir o desenvolvimento das deformações, o alívio das tensões no maciço, a interação do suporte com o maciço circundante e outros.

As medições (de convergência, com extensômetros ou de nível de água) alertam para a tomada de medidas preventivas e/ou corretivas antes que as deformações atinjam os valores-limite estabelecidos.

As medições de deformações são mais fáceis e mais baratas. Provavelmente, o testes mais frequente seja o de convergência, enquanto o método mais antigo seja a medição com extensômetros. Já são utilizados em mineração câmeras em furos para auxiliar esse acompanhamento e sistemas de verificação das cavidades instaladas em comparação com as projetadas.

As medidas de convergência consistem da instalação de pinos em pontos no piso, teto e paredes laterais da galeria, rampa ou túnel. Cada par de pinos, diametralmente opostos, constitui a base de medição. Estão presentes em diversos tipos de empreendimentos de minérios metálicos, carvão, sal, etc.

As medições com extensômetros (Figura 2) determinam o deslocamento relativo entre um ponto no interior do maciço e um ponto no perímetro escavado. Há aplicação de extensômetros simples ou múltiplos e, no geral, suas leituras são feitas semanalmente.

 

 

Figura 2 – Extensômetro na Mina Vazante (Souza, 2016).

 

  1. Estudos de caso

Entre os exemplos de trabalho nessa área está o desenvolvido no Túnel 501 do Rodoanel de São Paulo. A partir de modelo matemático, Dias (2015) concluiu que o sistema de suporte projetado não era capaz de garantir sua estabilidade. Foram incluídos os seguintes elementos de sustentação primária: 30 cm de espessura de concreto projetado, cambotas a cada 0,8 m e enfilagens de microestacas compostas por tubos com 12 m de comprimento (Figuras 3 e 4).

Já na mina de potássio Taquari-Vassouras, da Mosaic, em Sergipe, a sustentação das frentes de lavra é realizada com o abandono de pilares constituídos do próprio minério. O revestimento de galeria foi feito com concreto, com cerca de 1 m de espessura, dada a proximidade da frente de trabalho com um aquífero e com a taquidrita (mineral higroscópico). Na Mina Vazante, de zinco, da Nexa Resources (ex-Votorantim Metais, em Minas Gerais, há cambotas constituídas de 2 ou mais peças, montadas e aparafusadas no local da aplicação, com espaçamento de 1 m entre si (de 0,5 m a 1,5 m), em trechos de rocha muito alterada (Souza, 2016). Por sua vez, uma mina de carvão na China (Gao et al., 2018), conta com quadros de aço, com chapéus inclinados de 20º, parafusos de ancoragem espaçados de 80 cm, com preenchimento do furo com resina e telas (e/ou straps). O suporte secundário é realizado com cabos de 3 m de comprimento.

 

 

Figura 3 – Instalação de cambotas em galerias – Túnel 501 – Rodoanel São Paulo (COPASA, 2014, citado por Dias, 2015)

 

 

Figura 4 – Instalação de calotas – Túnel 501 – Rodoanel São Paulo (COPASA, 2014, citado por Dias, 2015)

 

  1. Considerações Finais

A lavra subterrânea tem ganhado campo, com escavações mais profundas. Novos sistemas de transporte têm criado razoável demanda por escavações subterrâneas, particularmente de túneis, que viabilizem a implantação dos projetos.

Obras civis ou minas subterrâneas, para minimizar riscos à segurança dos que transitam ou trabalhadores, danos aos equipamentos usados na obra/produção e diluições no minério extraído, geralmente, empregam algum tipo de suporte artificial, que visa a manter a estabilidade do maciço em torno tanto das galerias de acesso, quanto das escavações onde ocorre a retirada do minério.

Esses suportes são continuamente melhorados para possibilitar a resistência e a deformabilidade, associadas à função da escavação e vida útil no projeto, obra ou empreendimento.

A lavra subterrânea tende a ser a opção do futuro, com escavações a grandes profundidades e necessidade de sustentação, em função das tensões induzidas. O conhecimento da interação maciço-suporte é fundamental para o projeto mais racional da escavação e da sustentação ao longo de sua vida útil (finita para fins de mineração e considerada infinita em obras civis para transporte de pessoas).

 

Referências Bibliográficas

Akhvlediani, T.; Chikhradze, N.; Mataradze, E.; Bochorishvili, N. 2016. New type friction rock bolt: design and test results. 16th International Multidisciplinary Scientific GeoConference. Disponível em: sgem.org, acesso em 2017.

Dias, P. V. S. Análise por Modelagem Matemática do Colapso do Túnel 501 Rodoanel Mário Covas Norte em São Paulo. Trabalho de Conclusão de Curso. UFOP. 2015.

Hjalmarsson, E. H. 2011. Tunnel support, use of lattice girders in sedimentary rock, master’s thesis, University of Iceland, Reykjavik, Iceland.

International Mining. 2016. Long life, low cost rock bolt monitor introduced at MINExpo, october/2016. Disponível em: im-mining.com, acesso em 2017.

Mascarenhas, A. M. Estudo de Caso: Escavação e Tratamento para Emboque de Túnel em Rocha utilizando o Método NATM- Rio de Janeiro. Escola Politécnica. UFRJ. 2014.

Oliveira, A. M. S.; Brito, S. N. A. Geologia de Engenharia. ABGE. 1998.

Silva, J. M. Estabilidade de Escavações Subterrâneas- Suportes Descontínuos. DEMIN-EM-UFOP. 2016.

Silva, J. M.; Terra, K. L. M.; Lima, C. A. 1998. Tendências no Atirantamento Subterrâneo. Brasil Mineral, dezembro/98.

Souza, L. H. 2016. Dimensionamento dos Suportes em Escavações Subterrâneas em Rochas Muito Fraturadas em uma Mina de Zinco. Monografia de Graduação. FINOM.

Xu, M. R. 2016. Several questions during self drilling rock bolt support. Disponível em: mrxu.org, acesso em 2017.

 

 

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