EM TRANSIÇÃO PARA UM PROCESSO SUSTENTÁVEL

EM TRANSIÇÃO PARA UM PROCESSO SUSTENTÁVEL

Em Poconé, cidade do Mato Grosso a pouco mais de 100 km da capital Cuiabá, o garimpo trabalha com mineralizações filonianas, cuja lavra é feita através de cavas – algumas com até 500 m de diâmetro – a profundidades entre 70 e 80 m. A operação de uma cava pode durar até quatro anos, com desmonte mecânico por escavadeiras e carregamento e transporte do minério e estéril por pás-carregadeiras e caminhões rodoviários. Hoje, os cooperados da Cooper Poconé (Cooperativa de Desenvolvimentos Minerais de Poconé) possuem uma frota de cerca de 200 escavadeiras de 30 a 50 t, 400 pás-carregadeiras e mil caminhões de 20 t. Exaurido o depósito mineral é feita sua recomposição topográfica, cobertura com solo orgânico e revegetação.

Andre Molina
André Molina, presidente da Cooper Poconé

No que se refere ao processo de beneficiamento do minério, André Luiz da Silva Molina, vice-presidente da Fecomin (Federação das Cooperativas de Mineração do Mato Grosso) e o presidente da Cooper Poconé, diz que o mercúrio é usado há mais de 20 anos para a separação do ouro, em ambiente fechado, através de centrais de amalgamação, com recuperação de 98% do produto e descarte controlado dos 2% restantes. Ainda assim, a cooperativa está apoiando o projeto do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT), em finalização pela Brastorno, fabricante de equipamentos (veja matéria nesta edição), para a substituição do mercúrio pelo cianeto de sódio. “Não existe material melhor para recuperar o ouro que o mercúrio. Mas, após a assinatura da Convenção de Minamata – que prevê a eliminação ou redução do mercúrio em produtos e atividades, em especial a de garimpos – pelo Brasil, em 2013, acreditamos que seremos pressionados, de uma ou outra forma, a substituir ou reduzir o uso de mercúrio”, explica o geólogo.

Demandas

A tecnologia de lixiviação por cianeto de sódio, empregada no projeto da Brastorno, é conhecida. Mas considerada demorada pelos garimpeiros. “O garimpo não faz cubagem para avaliar seus recursos minerais. Por isso, precisa de uma resposta rápida sobre a quantidade de ouro extraída. Com o mercúrio essa resposta é imediata, já com o cianeto de sódio, a demora é de 72 horas”, diz Molina. O termo de cooperação técnica, assinado pela entidade com a Brastorno e a MJM Engenharia, visa um modelo de lixiviação que atenda a esse requisito.

Além do tempo de beneficiamento, o projeto também incorporou um equipamento específico para realizar a lixiviação, que é o reator Pelicano, fabricado pela Brastorno. O que suprime outra dificuldade do garimpo: a de adotar máquinas importadas do Canadá, por exemplo, cujo custo elevado não justifica o investimento para a escala de produção garimpeira. Para que o projeto seja finalizado e possa ser apresentado a outros garimpos, inclusive de outros estados, a taxa de recuperação do ouro deve ser, no mínimo, maior que 90%, meta que deve ser alcançada já em meados de fevereiro, segundo Molina.

Desde 2022, quando o CDT entrou em fase de testes, a Cooper Poconé já obteve da SEMA-MT, órgão ambiental do estado, as licenças – de instalação, operação e ambiental – para replicar a planta em 15 garimpos cooperados. Também já foi assegurou uma linha de crédito junto ao Banco do Brasil para financiar o investimento, estimado em R$ 50 milhões, valor que Molina considera um “esforço hercúleo” que os garimpeiros terão de assumir. Para os cinco garimpos restantes da cooperativa, de menor porte, poderá ser avaliada a montagem de um CDT único, decisão que dependerá de seu custo-benefício em função da quantidade de ouro a ser processada. De qualquer forma, mesmo sem operar nessas unidades, a adoção do CDT pelos outros garimpos deve reduzir em mais de 90% o uso de mercúrio na região de Poconé.

Na opinião de Molina, o financiamento das pesquisas para desenvolver a planta de beneficiamento deveria ser suportado por recursos do governo federal através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que possui linhas específicas para o incentivo de novas tecnologias, e do governo estadual. A possibilidade de obter esse apoio, no entanto, é remota devido ao estigma da atividade garimpeira, diz o presidente.

Garimpo na regiao de Pocone
Operação de garimpo na região de Poconé

Histórico

O paulista Molina foi para o Mato Grosso cursar Geologia na universidade federal do estado (UFMT). Formado em 1991, começou a atuar junto a garimpos em 1993 e ajudou a fundar a Cooperaurum (Cooperativa dos Produtores de Ouro de Poconé), a primeira associação desse tipo no Brasil. Poconé é uma cidade que serviu de laboratório, como diz Molina, para entender e diagnosticar a atividade garimpeira, o que contribuiu para sua regularização em 1989, quando foi promulgada a Lei nº 7.805, que criou o regime de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG). Os primeiros títulos e licenças de operação e ambientais para garimpos no estado foram entregues nesse município, em 1997.

Na época, lembra Molina, havia 101 garimpos na região. Além das dificuldades para seu licenciamento, o mercado de ouro foi impactado pelo escândalo BRE-X, quando se descobriu ser uma farsa a descoberta do que seria a maior mina de ouro do mundo, na Indonésia, anunciada pela mineradora canadense BRE-X Minerals, para supervalorizar suas ações na Bolsa de Valores de Toronto (TSX), no Canadá. A fraude, considerada uma das maiores da história do setor mineral, não só quebrou a BRE-X como derrubou todas as bolsas mundiais que negociavam ações de companhias de mineração e exploração mineral, em especial junior companies, reduzindo drasticamente o número dessas empresas em meio ao clima de desconfiança generalizada dos investidores.

A queda dos preços do ouro causou um êxodo em massa dos garimpeiros de Poconé, debilitando a Cooperaurum, que foi fechada. O mercado começou a se recuperar a partir do final de 1998 e, em 2002, foi fundada a Cooper Poconé. Molina, um dos fundadores, foi eleito presidente da associação, cargo que ocupa até hoje. Atualmente, a entidade possui 26 cooperados (detentores de PLG), que atuam em 20 áreas na região e possuem cerca de 3.500 funcionários.

Para ele, a Lei nº 7.805/1989, precisa ser revisada para definir com maior clareza técnica os depósitos minerais que podem ser objeto de PLG, considerando, além das aluviões, por exemplo, as jazidas onde a ocorrência de ouro se dá na forma de óxidos e que possuem morfologia irregular ou indefinida para operações de grande porte. Hoje, a lei não permite o bloqueio dessas áreas para fins de lavra garimpeira. No mais, diz o geólogo, não há nenhuma dificuldade intransponível ao licenciamento da atividade na região, que conta com uma equipe de profissionais da Cooper Poconé para atender às demandas legais e técnicas de seus cooperados nesse sentido. Ainda segundo ele, o setor garimpeiro evoluiu muito nas últimas três décadas, aprendendo a lidar melhor com desafios ambientais como os de controle do lençol freático e dos depósitos de estéril e de operação das barragens de rejeito.

Hospital de Pocone
Hospital da cidade com energia solar instalada por cooperativa

A cooperativa tem papel fundamental no município de Poconé, que possui agricultura de subsistência e áreas de pecuária, vivendo basicamente da produção dos garimpos, através da geração direta de empregos e do consumo de bens e serviços para a atividade, além do repasse de cerca de R$ 15 milhões por ano de CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral). A Cooper Poconé também conta com um departamento de ações sociais. Entre elas estão a doação de um sistema de energia fotovoltaica para o hospital da cidade, com custos superiores a R$ 1 milhão. Outra iniciativa recente foi a abertura de 16 poços artesianos para comunidades quilombolas próximas da cidade, que tiveram o abastecimento de água suspenso devido à seca que atingiu a região em novembro de 2023,

Foto em destaque: Cava de garimpo recuperada após exaustão

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