CENÁRIO E PROJEÇÕES PARA A ATIVIDADE GARIMPEIRA

CENÁRIO E PROJEÇÕES PARA A ATIVIDADE GARIMPEIRA

Desde 2014, Pablo Cejas, especialista em concentração de minérios e consultor sênior da Brastorno e Brastecno, se dedica à otimização de processos de concentração de minérios primários, aluviões e rejeitos. No caso dos garimpos, só atua com empresas que possuam PLG (Permissão de Lavra Garimpeira) e licenciamento – de instalação, operação e ambiental. Para ele, são essas autorizações que diferenciam o garimpo da extração ilegal de recursos minerais. No âmbito do garimpo, ele distingue dois grupos: o formal e o informal. O garimpo informal, maioria no Brasil, é aquele que, mesmo possuindo a PLG e todas as licenças, não conta com a avaliação dos recursos e reservas de seu depósito mineral, nem com tecnologias modernas para o beneficiamento do ouro lavrado.

Pablo Cejas-mesa vibratoria
Pablo Cejas, com mesa vibratória em garimpo em Mato Grosso

Em termos gerais, a atividade garimpeira informal, diz Cejas, é bastante artesanal, em especial a de ouro, cassiterita e diamante. A principal tecnologia empregada é a de recuperação gravítica, incluindo o carpete, usado para a separação do minério de outros elementos, como areia e sedimentos, contidos no material extraído. Mesmo com alguma atualização, que substituiu o couro de animais por fibras sintéticas em sua estrutura, o carpete prejudica a eficiência do processo. “O tamanho e a forma do ouro garimpado são críticos. Mais ainda, se a partícula é muito fina – 75 µm (~#200) – e parcialmente liberada, porque ocluída em quartzo ou cristal de sulfeto (ferro, arsênio, cobre, chumbo), fazendo com que grande parte do ouro se perca na concentração e na apuração final com mercúrio”, explica.

Contexto

Segundo o consultor, além do carpete, outros equipamentos também são amplamente utilizados, como Jigues, geralmente artesanais, e centrífugas de baixa força centrífuga (Força G). A substituição desses recursos por tecnologias de ponta, como as usadas em mineradoras de médio e grande porte, ainda é muito lenta, principalmente pelo custo do investimento, exigência de ajustes em alguns procedimentos operacionais e capacitação dos profissionais envolvidos com a operação.

“Cada minério é um minério e cada caso é um caso, o que torna a transição tecnológica no garimpo bastante complexa no Brasil. Existe o chamado garimpo de ‘baixão’ (platôs aluvionares etc.) – em especial, no Pará, Rondônia e Mato Grosso -, com desmonte hidráulico e gravimetria por carpete. Já no sul do Mato Grosso temos o garimpo por desmonte mecânico e concentração centrífuga, ou através de mineração subterrânea”, justifica o consultor.

Ainda são raros garimpos que usam substitutos do mercúrio (Hg), como mesas vibratórias ou cianeto de sódio (NaCN). Essa transição, na opinião de Cejas, deve acontecer acentuadamente nos próximos anos, especialmente devido às restrições para aquisição legal do mercúrio por garimpeiros. A maioria dos garimpos já possui uma área específica para fundir a amálgama (~ 50% Hg, ~ 50% Au), com retorta e sistemas de exaustão, precipitação e recuperação de mercúrio. Mesmo assim há situações de uso do mercúrio de forma insegura e com impacto ambiental, principalmente nas atividades de extração ilegal.

Parceria

 A parceria de Cejas com a Brastorno começou em 2017, com o desenvolvimento da Conspeed, primeira centrífuga nacional de alta Força G, totalmente automatizada e a única do mundo com duplo estágio de concentração. Um protótipo já havia sido criado pelo consultor e dois amigos três anos antes, em 2014, também de alta força centrífuga e capaz de concentrar ouro ≤ 1 mm até 20-30 µm, em uma única passada pelo cone concentrador. “Durante quase dois anos, processamos dezenas de toneladas de variados minérios de quase todo o Brasil, de maneira experimental”, lembra o consultor.

Conspeed
Protótipo da Conspeed em ensaios de performance

Os primeiros resultados promissores vieram em 2016, após um teste de concentração de minério refratário. Foi então que o diretor do laboratório Testwork, em Nova Lima (MG), Walter de Moura, que fora um dos principais metalurgistas da CVSA – Cerro Vanguardia, produtora de ouro e prata da AngloGold Ashanti, na Patagônia, Argentina, incentivou Cejas, amigo e ex-colega da mina, a continuar com o aperfeiçoamento da centrífuga.

A Conspeed continua sendo testada na Testwork, alimentando o reator de lixiviação Pelicano, concebido por Moura e fabricado pela Brastorno (veja matéria nesta edição). “Com poucos quilos de amostras de concentrados é possível determinar os percentuais de recuperação final do ouro, a cinética e o consumo de NaCN e de reagentes, entre os principais parâmetros”, diz Cejas. No mesmo laboratório estão sendo testados o TurbO2, que diminui o tempo de lixiviação de ouro pela metade.

Testes da centrífuga também são feitos no laboratório metalúrgico Brastecno, em Belo Horizonte (MG), com amostras entre 20 kg e perto de 100 kg de minério, enviadas por garimpeiros para sua caraterização tecnológica. A amostra cabeça, o concentrado e o rejeito são analisados por absorção atômica ou fire-assay, para determinação de seus teores de minério, de forma a prever a reação do material ao processo de concentração centrífuga, numa escala de produção de 15 t/h ou 70 t/h (base seca). Também na Brastecno, há ensaios com um novo reagente que pode substituir o NaCN, sem ajustes no processo, com os mesmos consumo e recuperação de Au/Ag e, talvez, com uma toxicidade muito menor.

Conspeed-reatorPelicano
Conspeed alimentando reator PELICANO, em mina de ouro no Pará

Capilaridade

Cejas desconhece a existência de um plano ou programa federal ou estadual que apoiem a transição do mercúrio para outro produto no garimpo. Segundo ele, a capilaridade de atuação dessas esferas públicas de governo é escassa junto aos pequenos garimpeiros, papel que tem sido assumido pelas cooperativas do setor. “O Estado passa por dificuldades em fiscalizar e ser expeditivo na entrega de PLGs, o que serve de desculpa para a extração mineral ilegal, embora milhares de garimpeiros aguardem pacientemente na fila da ANM (Agência Nacional de Mineração) a emissão de seus títulos”, considera. De outro lado, diz, o garimpeiro também precisa assumir a responsabilidade de promover uma produção sem mercúrio.

No que toca à extração ilegal de minérios na Amazônia, Cejas diz que a atividade tem se aliado a grupos narcoterroristas para usufruir de bens da União. “Entendo que o garimpo poderia servir, entre outras finalidades, para que o governo federal construa uma força sólida de exploração mineral, desde que o garimpeiro passe antes pela atualização e melhoramento dos seus conhecimentos”, opina.

Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal Pablo Cejas

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