AS LIÇÕES DA NORUEGA NO USO DOS ROYALTIES

Por Mathias Heider1

Introdução

A crise do Petróleo em 1973 foi desencadeada em um contexto de déficit de oferta, marcado pela guerra do Yom Kippur e a decisão de controlar os preços através da menor oferta e pelo embargo aos americanos, que elevaram o barril do petróleo de cerca de US$ 3 para U$ 12 ao final daquele ano. O Brasil produzia cerca de 200 mil barris de petróleo por dia, importando de 70% a 80% do seu consumo, o que equivalia a cerca de 25% do valor total das importações (antes da ordem de 10%).

Para dar fôlego ao milagre econômico, o governo passou a tomar mais empréstimos no exterior e a dívida externa do Brasil saltou de US$ 17,2 bilhões em 1974 para US$ 43,5 bilhões em 1978. Novo choque ocorreu em 1979, iniciado pela Revolução Iraniana e agravado pela Guerra Irã-Iraque. Com a redução da oferta desses dois países, a cotação do petróleo subiu para mais de U$ 30 por barril e o mundo viveu uma nova crise. Os choques de 1973 e 1979 ajudaram a compor o precário quadro da economia brasileira na década de 1980, com encolhimento do PIB (Produto Interno Bruto), moratória e inflação galopante.

Atualmente o Brasil é destaque na produção mundial de petróleo e as estimativas da ANP (Agência Nacional de Petróleo) apontam, para 2023, um cenário de produção nacional diária de petróleo da ordem de 3,7 milhões de barris e de 167,7 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Em 2019, as exportações de petróleo foram da ordem de US$ 24 bilhões (em 2001 equivaliam a US$ 158,6 milhões). Considerando o nível de produção, cotação do petróleo e a taxa cambial, a ANP também estima que os royalties do petróleo alcancem a cifra de R$ 35,2 bilhões em 2023, gerando emprego, renda, ativação de cadeias produtivas e crescente arrecadação para os estados e municípios produtores.

Esse cenário gera oportunidade para se avaliar um modelo equilibrado para a destinação dos royalties, promovendo o desenvolvimento de longo prazo e a sustentabilidade dos benefícios para as novas gerações. Para maximizar osbenefícios dessa arrecadação e reduzir os impactos negativos, diversos países constituíram fundos para administrar e distribuir essa riqueza conforme objetivos definidos com a sociedade.

O primeiro FSR (Fundo Soberano de Riqueza) foi criado pelo Kuwait em 1953, seguido de outros países petrolíferos como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (Abu-Dhabi), entre outros. Em 2018, os FSR já acumulavam mais de US$ 7,5 trilhões, com enorme destaque para o FSR Norueguês, que atingiu US$ 1 trilhão em valor de mercado em 2017 (3,5 vezes o PIB do país).

Noruega: promoção do bem estar e equidade de direitos

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Museu do Petróleo, na Noruega

Considerado o país com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo (0,953 num máximo de 1,0 possível) e a principal referência no uso de royalties do petróleo para promover o bem estar e a equidade dos benefícios, a Noruega soube reverter os lucros da exploração de seu petróleo para um projeto de desenvolvimento que beneficiasse a sociedade em geral. O governo do país decidiu estabelecer um marco regulatório e, em 1971, foram aprovadas diretrizes para nortear o setor, estabelecendo uma política, instituições e uma legislação que permitissem um trabalho conjunto com as empresas privadas antes de iniciar sua produção comercial de petróleo. Criou-se uma agência reguladora, a Direção de Petróleo Norueguês, garantindo a competitividade e o equilíbrio na atuação da Statoil (atual Equinor) e demais empresas.

Em 1973, o início da produção de petróleo trouxe um significativo retorno financeiro ao país, o que dificultou que outros setores industriais se mantivessem competitivos. Em 1974, o governo resolveu limitar novas concessões e controlar o ritmo das operações, uma decisão que se revelou crucial para evitar a maldição do petróleo. Inicialmente, os recursos do petróleo foram investidos em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia para permitir sua exploração em águas profundas e, no início dos anos 1990, foi criado o Fundo Soberano Norueguês.

O governo norueguês concluiu que sua economia não poderia ficar extremamente dependente de uma commodity tão volátil como o petróleo, comprometendo a arrecadação em caso de queda nas cotações ou redução da produção e impactando outros setores da economia. A economia norueguesa sofreu várias retrações econômicas nas décadas de 1970 e 1980, quando surgiu a ideia de estabelecer um fundo que pudesse estabilizá-la entre os picos e as depressões.

Os recursos do fundo da Noruega são aplicados em ações de empresas estrangeiras, justamente para impedir a circulação excessiva de dinheiro no país e seus impactos inflacionários. Somente é possível usar 3% do total por ano (antes era 4%, mas o Parlamento reduziu esse percentual em 2017). O objetivo é maximizar o prazo dos benefícios do fundo em uma função intergeracional, evitando gastos públicos e beneficiando as futuras gerações norueguesas, com foco na expectativa de que as reservas no país se esgotem em até 50 anos.

Em setembro de 2018, o fundo norueguês alcançou US$ 1 trilhão, que renderia cerca de US$ 200 mil para cada cidadão norueguês, caso fosse dividido entre toda a população. A maior parte do dinheiro está investida em ações das maiores companhias do mundo (66,2%) e o restante, em títulos de renda fixa (31,2%) e imóveis (2,6%).

Histórico do Brasil no Petróleo

O Brasil foi especialmente beneficiado com o expressivo crescimento de sua produção petrolífera com o advento do pré-sal e das commodities minerais. Na década de 1970, nossa produção de petróleo era da ordem de 200 mil barris por dia.

Em 21 de janeiro de 1939, o primeiro poço de petróleo (DNPM-163, com participação do DNPM) foi descoberto em Lobato e, em 1941, descobriu-se o campo de Candeias, ambos na Bahia. Em 1953, Vargas criava a Petrobras que, em 1968, passou a desenvolver o projeto de extração em águas profundas com a descoberta de petróleo no mar, no Campo de Guaricema, na costa de Sergipe. Foi um pequeno passo, mas o início e marco de um grande futuro para o petróleo no Brasil. Práticas exitosas e inovadoras de empresas como Petrobras, Embraer, Embrapa e Embraco ganharam fronteiras e trouxeram grande desenvolvimento em suas áreas de atuação e para o Brasil.

O primeiro campo com volume comercial na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, foi Garoupa (poço 1-RJS-9A), em 1974, com 124 metros de profundidade, seguido do campo de Namorado, em 1975, e do campo de Enchova, em 1976, consolidando essa área de exploração. Era o começo de uma longa série de descobertas e de um novo vetor de atuação no mar. Uma das inovações nesses campos foi a instalação do primeiro sistema de produção antecipada sobre uma plataforma flutuante que reduziu o tempo de maturação, então de 4 a 6 anos, para 4 meses.

A partir de 1984, iniciava-se um virtuoso ciclo de descoberta de campos gigantes no mar como Albacora, Marlim, Roncador, Barracuda, Jubarte e Cachalote. Macaé (RJ), que tinha cerca de 65 mil habitantes em 1970, chegou a 245 mil habitantes em 2017, refletindo o crescimento da produção petrolífera.

No Brasil, por 44 anos, do governo Getúlio Vargas até 1997, a Petrobras deteve exclusividade em diversas operações do setor (Lei 2.004, de 1953, que foi revogada pela lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997). No ano de 2005 ocorrem os primeiros indícios da existência de petróleo no pré-sal, na Bacia de Santos, no bloco BM-S-10 – Parati. Essa descoberta é anunciada em 2006 e sua produção é realizada no horizonte geológico denominado “pré-sal”, em campos localizados na área definida no inciso IV, caput do artigo 2º, da Lei nº 12.351/2010.

Em 2007, a Petrobras anunciou a descoberta de petróleo na área de Tupi, na Bacia de Santos e, em 2008, no campo de Jubarte, na Bacia de Campos, contribuindo fortemente para a expansão da produção petrolífera do Brasil e atração de investimentos. As reservas de petróleo no Brasil em 2018, (vide em http://www.anp.gov.br/images/DADOS_ESTATISTICOS/Reservas/Boletim_Reservas_2018.pdf) atingiram 13,238 bilhões de barris e 368.450,48 bilhões de metros cúbicos de gás para reservas provadas e 23,850 bilhões de barris e 569.845,28 bilhões de metros cúbicos de gás natural para reservas provadas, prováveis e possíveis.

Em 2018, foram produzidos aproximadamente 944 milhões de barris de petróleo e 4,1 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Já em 2019 foram produzidos 1,018 bilhão de barris de petróleo, uma alta de 7,78%. Também a produção anual de gás teve alta de 9,46%, elevando-se a 4,7 bilhões de metros cúbicos.

Assim, o Brasil desenvolveu a sua economia do petróleo cuja dinâmica está ligada às instalações e infraestruturas produtivas e de apoio à extração de petróleo, como as instalações portuárias, estaleiros de montagem de sondas e plataformas e embarcações de apoio e movimentação de cargas. Citamos ainda, as instalações das unidades industriais de produção de peças e equipamentos para a indústria do petróleo (perfuração, produção, circulação e beneficiamento), bem como todos os serviços agregados a essas demandas.

Também envolve a construção civil de infraestruturas, portos, obras civis, montagens, dutos, cadeias de logística e transportes nas diversas modalidades (marítima, portuária, rodoviária, ferroviária, dutoviária e aeroviária) e a indústria naval (estaleiros), entre outras.

A economia do petróleo demanda altos investimentos com enorme poder de alterar a dinâmica regional – econômica, social e ambiental -, impactando a territorialidade onde se instala. Em consequência, surge a economia dos royalties, também complexa, na medida em que seus efeitos positivos podem e devem ser maximizados.

A Economia dos Royalties é derivada das receitas das participações governamentais (quotas mensais e quadrimestrais) devidas à União, Estados e Municípios, oriundas das quotas mensais e das participações especiais (PE), cobradas dos campos com alta produção ou grande rentabilidade. Essas duas participações foram denominadas como royalties do petróleo, conforme legislação nacional em vigor. A Lei do Petróleo (9.478/97) estabelece ainda o pagamento de uma participação, por parte das empresas produtoras de petróleo e gás, aos proprietários das terras onde essas atividades são realizadas, apurada mensalmente a partir de um percentual que varia entre 0,5% e 1% sobre a receita bruta de produção (a mesma utilizada para apuração de royalties).

(Artigo publicado na edição 83 da revista In The Mine). Segunda parte será publicada na edição 84)

1Mathias Heider é engenheiro de Minas e especialista em Recursos Minerais da ANM (Agência Nacional de Mineração)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Bjarne Stokke

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