PULMÃO DA MINA NA BIENAL DE SÃO PAULO

PULMÃO DA MINA NA BIENAL DE SÃO PAULO

No final do século XIX, os mineiros passaram a entrar nas galerias das minas de carvão britânicas levando gaiolas com canários. A “tecnologia” foi adotada por sugestão do fisiologista John Haldane, já que essa espécie de pássaro, devido ao seu sistema respiratório peculiar, é capaz de detectar precocemente a existência de gases tóxicos, como metano e gás carbônico, formados após as explosões que ocorriam com frequência nas minas. Naturalmente inquietos e de canto ininterrupto, o metabolismo sensível dos canários reagia de imediato à redução de oxigênio no ambiente: oscilavam violentamente, paravam de cantar e caíam mortos. Era o sinal inequívoco para que os mineiros evacuassem a mina.

Pulmão da Mina 1

A cena deu origem, mais à frente, à expressão “canary in the coal mine” (canário na mina de carvão) usada para designar situações de emergência ou perigo iminente. Seu emprego foi retomado atualmente como referência aos riscos crescentes da mudança climática, inclusive nomeando um relatório do secretário de estado norte-americano John Kerry sobre o tema.

Pulmão da Mina 6

Os chamados pássaros-sentinela também foram usados em antigas minas subterrâneas de ouro no Brasil e são o ponto de partida da instalação Pulmão da Mina, criada pela artista plástica Luana Vitra e comissionada para a 35ª Bienal de São Paulo. Ocupando uma área aberta de 100 m no segundo andar do pavilhão da mostra, no Parque Ibirapuera, capital paulista, a obra combina pequenas esculturas que representam os canários, com flechas-patuás metálicas, ervas, conchas, cordas e anil, parecendo remeter a rotas de fuga ou escape como as que os mineiros buscavam diante do risco de morte no interior das minas, assim como ao seu instinto de sobrevivência.

Pulmão da Mina 1

 

Os canários são banhados em prata e cobre, como são de cobre as grandes conchas onde seus corpos sem vida são expostos. A escolha dos materiais não é aleatória: os metais possuem alta condutividade e resistividade, características que, no caso, assumem os significados respectivos de orientação e resistência. As flechas-patuás, também em destaque na instalação, são feitas de ferro e remetem ao orixá Ogum, tendo o sentido espiritual de desbloquear caminhos.

A maioria delas direciona a lugares mais seguros e livres. As conchas, ervas e cordas são uma alusão à presença africana no Brasil, simbolizando os escravos que trabalharam na mineração de ouro, em especial em Minas Gerais, nos séculos XVII e XVIII. Já o anil em pó foi importado da Nigéria, onde é chamado wagi, sendo usado para a limpeza energética de ambientes. Veio da Nigéria, aliás, a maior parte dos escravos traficados para Minas Gerais.

Luana Vitra é natural de Contagem (MG) e sua instalação pode ser vista na Bienal de São Paulo até 10 de dezembro de 2023. A entrada é gratuita.
Fotos: In the Mine

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