HISTÓRIA DO DIREITO DA MINERAÇÃO BRASILEIRO

por-williamfreire

Os preceitos jurídicos, qualquer que seja a roupagem vestida (Regimentos, Cartas Régias, Constituição, leis etc.), podem atender a determinada sociedade em determinada época. Podem manter o frescor e utilidade ou envelhecer. Envelhecem quando não conseguem acompanhar a evolução da sociedade ou segmento econômico que regulam.

Durante o período colonial, as primeiras regras sobre mineração encontravam-se nas Ordenações Afonsinas (até 1512), Ordenações Manuelinas (1512-1603) e Ordenações Filipinas (1603 em diante). No que interessava ao Brasil, as Ordenações Filipinas apenas dispunham que os vieiros de ouro, prata e outros metais pertenciam à Coroa.

Em 1603 entrou em vigor o Primeiro Regimento das Terras Minerais, que deu a tônica do que seria a base das legislações que seguiriam até a Independência do Brasil: arrecadar mais para Portugal e evitar o roubo e o contrabando. Tratou da demarcação de áreas e das casas de fundição, entre outros assuntos. Nenhuma indicação de interesse nos destinos do Brasil.

Pela Carta Régia 18, de 1694, quem descobrisse uma jazida receberia o título de fidalgo e o domínio pleno dela sujeito, apenas, ao pagamento do quinto.

O Regimento de 1702 manteve a orientação nuclear das legislações anteriores porque Portugal, recebendo toneladas de ouro, ainda achava que era pouco.

Em 1734 foi criada o que pode ser considerada a primeira agência de mineração do Brasil, a Intendência dos Diamantes.

Decreto de 1736 criou as Intendências de Ouro em várias capitanias, com o objetivo de fiscalizar a produção desse metal.

Os Alvarás de 1750 e de 1751 estabeleceram novas atribuições para os cargos e órgãos relacionados à mineração e dispuseram sobre a derrama, estopim para a Inconfidência Mineira.

O Alvará de 13 de maio de 1803, apesar de ser considerado um regulamento com estrutura de Código, ainda manteve a intenção arrecadadora, reduzindo o quinto, mas mantendo a proibição de circulação do ouro em pó.

Apesar de avançado, quase nada do que dispôs o Alvará de 1803 foi implantado, fazendo nascer outro Alvará, em 1808.

Se há uma informação certa é a de que, para aqueles tempos, havia uma clara política mineral de Portugal para o Brasil: arrecadar mais e evitar o roubo e o contrabando.

Mesmo com tanto cuidado por parte de Portugal, Iran Machado e Silvia Figueirôa relatam em seu História da Mineração Brasileira (Curitiba: CRV, 2020) que, “além do ‘santo do pau oco’, os contrabandistas desviavam o ouro em pó em saltos e solas de sapatos, em selas de cavalos, em barris de melado, em tabiques internos de navios, nos costados das embarcações”.

A Independência do Brasil aconteceu em 1822 e a Proclamação da República em 1889. Em 1915 nasceu a Lei Calógeras e, em 1926, a Lei Simões Lopes. Seguiram-se a Constituição de 1934 e o Código do mesmo ano, até chegarmos ao Código de 1967.

Avancemos para o ano de 2022, quando o Código de Mineração completará 55 anos e a Constituição, 34.

Como a história analisará a política mineral das últimas décadas? Não a analisará, porque não houve política mineral nas últimas décadas.

Para não ir muito longe, busquemos o ano de 1988. Naquela época já não existia política mineral para o País. O resultado foi uma Constituição malfeita.

Bom exemplo de malfeito é o art.171 da Constituição de 1988, que criou as empresas brasileiras de capital nacional. De tão ruim, foi revogado sete anos depois.

E foram décadas com a mineração seguindo ao sabor do acaso.

Houve o Projeto de Lei da Dilma, o substitutivo da Câmara dos Deputados e a Medida Provisória 790, de 2017.

Em 2011 houve o Plano Nacional de Mineração 2030; em 2020, o Programa Mineração e Desenvolvimento 2020/2023 e, em 2022, o Plano Nacional de Fertilizantes, cuidando de um segmento econômico importantíssimo, estreitamente relacionado com o desenvolvimento de alguns setores da mineração.  Virá o Plano Nacional de Mineração 2050?

A Agência Nacional de Mineração, cuja atuação é digna de elogios, foi criada fora de um contexto amplo de política mineral.

E não custa lembrar: política mineral é para ser política de Estado, não de Governo.

Em 34 anos, o Brasil teve 23 ministros das Minas e Energia, sendo 17 efetivos e 6 suplentes. Um ministro trocado a cada ano e cinco meses.

O Código de Mineração, alterado 11 vezes (média de uma alteração a cada cinco anos), está longe de atender às necessidades atuais do País.

Sabendo que as leis não nascem do nada, mas sim da conjugação das forças decorrentes da vontade do Governo, da vontade popular (via seus supostos representantes no Legislativo) e da realidade econômica, é muito interessante analisar as discussões e reivindicações do setor na década de 1980.

Em 1989, o Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM publicou um livreto contendo propostas de políticas para o setor mineral (Setor Mineral Brasileiro: propostas de políticas. IBRAM, 1989). A Associação dos Profissionais da Mineração – APROMIN, em 1989, lançou um caderno denominado Subsídios para uma Política de Desenvolvimento Mineral.

Desses dois documentos podem-se extrair as seguintes recomendações: (i) aperfeiçoamento do Mapeamento Geológico Básico, (ii) promoção de clima de investimento, (iii) incentivos às empresas de mineração, (iv) sustentação do sistema estadual de mineração, (v) eficiente estruturação dos órgãos normativos e de fomento, entre outros. Acrescentaria a eterna preocupação com a insegurança jurídica e a eterna deficiência de recursos para o DNPM, agora ANM e CPRM, impedindo o alcance do mandamento constitucional da eficiência administrativa em sua plenitude.

Não há dúvida do salto quantitativo e qualitativo do setor mineral nessas décadas.

Entretanto, se observarmos as discussões de três décadas atrás envolvendo as questões institucionais da mineração, perceberemos que, na essência, o Brasil ainda é o mesmo.

1Advogado, professor de Direito Minerário e Direito Ambiental Aplicado à Mineração, sócio-fundador da William Freire Advogados Associados

 

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