BASTA PADRONIZAR A DECLARAÇÃO DE RECURSOS E RESERVAS?

Glaucia

 

A qualidade da avaliação de recursos minerais é diretamente dependente dos processos de aquisição e tratamento de dados (Rossi & Deutsch; 2014)

Um dos grandes desafios de uma empresa que atua no setor mineral é ter confiança nas informações, para garantir que a sua produção seja constante, previsível e permanente, de forma a minimizar seus riscos em toda a cadeia de valor, com credibilidade demonstrada (financeira e operacional). A assertividade das decisões tomadas na indústria mineral depende diretamente da qualidade e da confiabilidade dos dados utilizados e disponibilizados para sua análise.

Os códigos internacionais de padronização da declaração de recursos e reservas são instrumentos que recomendam, mas não prescrevem, a forma e o conteúdo que atendem às diversas cláusulas, ainda que a condução dos trabalhos seja feita com responsabilidade e competência por seus(suas) Profissionais Qualificados(as).

Não é a aplicação das orientações dos instrumentos que garante a qualidade da informação das declarações públicas dos recursos minerais.

Cuchierato (2022) em sua pesquisa de doutoramento buscou compreender como as orientações das melhores práticas promovem, de fato, a entrega de informações de alta qualidade. Provou que apenas qualificar a aderência aos códigos quanto aos dados apresentados não garante, necessariamente, a qualidade do projeto, e, portanto, não pode ser usada da forma que o mercado tem feito – ou seja, valer-se da credibilidade de um relatório apresentado no formato “NI 43-101” ou “JORC”, para chancelar que o projeto é bom.

McManus (2017) discute a questão da qualidade dos dados na mineração, sobre a verificação e validação de dados, definições das estruturas relacionais, locais de armazenamento, sistemas de bancos de dados, propriedade, permissões e limites de confiança e questiona: Qual o risco, sob os diferentes aspectos da qualidade de dados, que a empresa está disposta a permitir em seu negócio e qual é o perfil de risco de todas as pessoas que tocam esses dados?

Abzalov (2011) estima que centenas de milhares de amostras são coletadas pelas operações de mineração – furos de sondagens, trincheiras, dados de superfície, controle de teor e amostragem da frente de lavra – anualmente. Essas amostras geram grande quantidade de dados, que precisam ser armazenadas em um banco de dados relacional.

Considerando os altos investimentos para o início de uma operação mineira, Sinclair & Blackwell (2002) destacam que a estimativa de teores e o posicionamento do minério (recurso in situ) devem ser conhecidos com um grau aceitável de confiança, especialmente em grandes depósitos de baixos teores e de metais preciosos, para adequação dos níveis de lucratividade e produtividade. Compreender o equilíbrio entre a avaliação de recursos, planejamento de mina e controle de teor é o desafio para a eficiência das operações já que, caso algum fator desestabilize o equilíbrio, todo o empreendimento pode estar em risco.

Os Guias de Boas Práticas do CIM (2019) recomendam o cuidado com o registro de todos os dados coletados ao longo do histórico de trabalho de uma jazida mineral, compreendendo as etapas de coleta, verificação, registro, armazenamento e processamento dos dados geológicos e técnicos primários relevantes, que formam a base crítica necessária para a estimativa dos recursos minerais. Deve conter todas as informações disponíveis para apoiar as interpretações geológicas atuais e a modelagem, ser acessível e confiável, com sistematização da aquisição de observações geológicas de mapeamento de campo, perfuração e fotografia de testemunho, além de ser armazenado de maneira organizada.

A qualidade dos resultados e as decisões tomadas pela indústria mineral dependem principalmente da qualidade e da confiabilidade dos dados de entrada, como e onde esses dados são armazenados e quais parâmetros de controles, validações e verificações são aplicados.

Recomenda-se, sempre que possível e viável, a utilização de softwares, plataformas e sistemas de informação e gestão, para evitar erros, negligência e fraudes. Os dados adquiridos devem estar dispostos em um banco de dados estruturado e relacional, organizados em tabelas identificadas por registros indexados por uma chave primária e chaves estrangeiras, que definem as diversas relações entre tabelas e asseguram sua integridade.

De forma geral, espera-se que um sistema de gerenciamento de dados contemple as demandas de segurança, confiabilidade e rastreabilidade das boas práticas recomendadas. Mas…

Garbage In, Garbage Out (GIGO) é uma expressão em inglês mundialmente utilizada, atribuída ao programador e instrutor da IBM George Fuechsel, que significa, literalmente, “entra lixo, sai lixo”. A Figura 1 ilustra como, mesmo com o estabelecimento de um excelente processo, se os dados de entrada forem ruins, os resultados de saída serão ruins também. Se a qualidade das informações for baixa, os resultados não serão confiáveis o suficiente para se tomar boas decisões.

Figura 1
Figura 1 – Ilustração do risco de geração de análises ruins sobre dados

A qualidade da informação depende de inúmeros fatores, contextos e demandas específicas dos consumidores de dados e está associada a diversos processos que não estão ligados, exclusivamente, aos sistemas de gestão da informação.

Cuchierato (2022) elaborou um mecanismo de avaliação da qualidade para projetos e operações mineiras, baseado nas recomendações das práticas internacionais, que aponta forças e fraquezas dos métodos e processos, aumenta a confiança nas informações e indica os riscos potenciais relacionados aos dados, construído para compatibilização dos dados do passado (com validação do acervo de dados históricos e sistemas legados) e presente (através da revisão de workflow), de forma a preparar o ambiente para o Cenário Futuro de Transformação Digital.

Foram desenvolvidas ferramentas funcionais inovadoras em uma estrutura integrada, flexível e ampla, intitulada GDQM: GeoData Quality Management (Figura 2).

Figura 2
Figura 2 – GDQM: GeoData Quality Management, metodologia de avaliação da qualidade de dados geológicos definida por CUCHIERATO (2022)

O mecanismo de funcionamento do GDQM será desmembrado nas próximas edições. Acompanhe!

(1) Glaucia Cuchierato é Geóloga e Mestre em Recursos Minerais pelo IGc-USP, Doutora em Engenharia Mineral pelo PMI-EPUSP e Diretora Executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia

REFERÊNCIAS

ABZALOV. M. Z. Use of Twinned Drillholes. Exploration and Mining Geology, Canada:  Canadian Institute of Mining, Metallurgy and Petroleum, 2009. v. 18, n. 1–4, p. 13–23.

CIM – CANADIAN INSTITUTE OF MINING, METALLURGY, AND PETROLEUM (2019). CIM Estimation of Mineral Resources and Mineral Reserves Best Practice Guidelines. Mineral Resource & Mineral Reserve Committee. Quebec, 2019. Disponível em: https://mrmr.cim.org/media/1146/cim-mrmr-bp-guidelines_2019_may2022.pdf.  Acesso em: 27 jan. 2020.

CUCHIERATO, G. (2022), A importância da qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais. 293 f. (Tese de Doutoramento em Engenharia de Minas). Departamento de Engenharia de Minas e do Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.

MCMANUS, S. Data quality. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/data-quality-scott-mcmanus/?trk=v-feed . Acesso em: 17 out. 2017.

ROSSI, M. E.; DEUTSCH, C. V. Introduction: Data Assembly and Data Quality. In: Mineral Resource Estimation. Dordrecht: Springer Netherlands, 2014. p. 1–9. DOI 10.1007/978-1-4020-5717-5_1.

SINCLAIR, A. J.; BLACKWELL, G. H. Applied Mineral Inventory Estimation. Cambridge/UK: Cambridge University Press, 2002.

 

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