ANÁLISE DA RESOLUÇÃO ANM 94/2022 (SBRRM)

Glaucia

Enfim, a tão aguardada Resolução Nº 94, de 07/02/2022, que trata da Regulamentação do Sistema Brasileiro de Recursos e Reservas Minerais (SBRRM), foi publicada no Diário Oficial da União em 08/02/2022 (Edição: 27 | Seção: 1 | Página: 53). As mudanças entrarão em vigor a partir de 07 de agosto de 2022, 180 dias após a data da sua publicação. Recomenda-se a leitura integral da resolução para melhor entendimento deste artigo.

Como parte das estratégias setoriais para a atratividade de investimentos, sobretudo internacionais, o Brasil, através da esforços integrados da Agência Nacional da Mineração (ANM) dentro do Eixo Temático 3 – Pesquisa, instituído no âmbito da Agenda Regulatória 2020/2021, vem adotando diversas condutas para  estabelecer um ambiente institucional sólido e robusto, com regulamentos modernizados e alinhados às práticas internacionais de declaração pública para resultados de exploração, recursos e reservas minerais.

Entre essas ações estão:

  • a publicação do Decreto nº 9.406, de 12/06/2018 (Regulamento do Código de Mineração);
  • a publicação do Decreto nº 9.587, de 27/11/2018 que instala a Agência Nacional de Mineração com a atribuição, entre outras, de normatizar o Sistema Brasileiro de Certificação de Reservas e Recursos minerais, no prazo de até um ano, contado da publicação da Lei;
  • o processo de consulta pública nº 8/2018 da minuta de Resolução ANM e seus produtos: Apêndice I (Relatório de Consulta Pública), Apêndice II (Relatório de Análise de Impacto Regulatório AIR – SBRRM), Apêndice III (Relatório de AIR – Declarações Públicas), Apêndice IV (Minuta da Resolução do SBRRM) e Apêndice V Nota Técnica SEI nº 1/2020-DGTPM/GEPM/SRM-ANM/DIRC, com complemento dos documentos: relatório para consulta jurídica sobre dúvidas de aplicação de Declarações Públicas e a Nota Técnica – Impactos na Implementação do SBRRM (Anexo I do Apêndice II);
  • o processo de Tomada de Subsídios nº 1/2021, para as Regras de Transição (Capítulo IV – Artigo 9º) e Disposições Finais (Capítulo V – Artigos 10 a 13).

O SBRRM compreende o conjunto de normas e procedimentos para gestão das informações relativas aos recursos e reservas minerais, contidas nos documentos técnicos vinculados aos processos de direito minerário e em declarações públicas apresentadas a ANM. Além da adequação de terminologias, o sistema pretende disponibilizar informações resumidas dos resultados de exploração, dos recursos e das reservas minerais em cada uma das etapas da pesquisa mineral desenvolvida pelo titular do direito minerário.

Na Resolução, a ANM destaca que, apesar de responsável pela gestão do SBRRM, não possui atribuição como instituição certificadora dos resultados de exploração, recursos e reservas minerais apresentados nas declarações públicas pelos titulares de direitos minerários.

O SBRRM aplica-se a todos os materiais mineralizados potencialmente econômicos, incluindo enchimentos mineralizados, resíduos, material estéril, rejeitos, pilares, mineralizações de baixo teor, estoques e aterros (Art. 4º § 1º) e, no que couber, aos regimes de aproveitamento mineral e substâncias que demandem avaliação de recursos e reservas minerais (Art. 4º § 2º).

A instituição reconhecida na Resolução como a principal organização internacional que representa a indústria da mineração em questões relacionadas à classificação e declaração de ativos minerais é o Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards (CRIRSCO), representado no Brasil pela Comissão Brasileira de Recursos e Reservas (CBRR).

Os conceitos contidos no Art. 4º (potencial exploratório, recursos inferido, indicado e medido, reserva provável e provada e fatores modificadores) se aplicam, obrigatoriamente, aos documentos técnicos vinculados aos processos de direito minerário, como, por exemplo, os Relatórios Finais de Pesquisa (RFP) e os Planos de Aproveitamento Econômicos (PAE), que deverão ser elaborados sob a responsabilidade de profissionais legalmente habilitados, em conformidade com a legislação mineral e profissional (Artigo 11). Essa entrega poderá ser feita como ocorre hoje e não há exigência sobre qualificação ou experiência para sua responsabilidade técnica, bastando que o profissional seja registrado em sua entidade de classe (CREA) e graduado em Geologia (RFP) ou Engenharia de Minas (PAE).

Os conceitos contidos no Capítulo III (Artigos. 4º, 5º e 6º) referem-se às Declarações Públicas, novo instrumento da gestão do SBRRM. A Resolução 94/2022 considera declaração pública o documento contendo o resumo das informações dos resultados de exploração, recursos e reservas minerais, com o objetivo de divulgar e de dar transparência às atividades de pesquisa e exploração mineral desenvolvidas no país, cujos critérios mínimos e princípios de elaboração e emissão devem seguir as orientações e recomendações dos modelos e guias de elaboração de relatórios públicos para declaração de resultados de exploração, recursos e reservas minerais, publicados pelo CRIRSCO e CBRR. A entrega da declaração será opcional e seu conteúdo não será considerado objeto de sigilo, implicando na aceitação tácita de sua divulgação.

As declarações públicas serão elaboradas e assinadas por profissional habilitado, qualificado e registrado, de acordo com os critérios de competência especificados no Inciso III do art. 7º (Competência: exigência de que a declaração pública se baseie no trabalho realizado por profissionais legalmente habilitados, qualificados e experientes, sujeitos a um código de ética e a regras de condutas profissionais vinculativas, credenciados por entidades que adotam o padrão internacionalmente aceito para a elaboração de declarações públicas).

Faço a devida menção de que, a meu ver, poderá haver dúvidas, equívocos e mal entendidos no uso do conceito discutido a seguir. O termo “Declaração Pública” já é amplamente utilizado pela indústria mineral internacional quando da publicação de informações dos ativos listados em bolsa de valores. É definido pelo Guia CBRR (e traduzido dos outros padrões internacionais como “Public Report”) como:

  • “Declarações Públicas são preparadas para informar investidores ou potenciais investidores e seus conselheiros sobre os Resultados de Exploração, Recursos Minerais ou Reservas Minerais. Elas incluem – mas não se limitam a – relatórios anuais ou trimestrais das entidades, notas à imprensa, memorandos informativos, documentos técnicos, publicações em websites e apresentações públicas”;
  • Aplica-se a documentos que incluem informações corporativas divulgadas ao público, na forma de publicações em websites corporativos, instruções para acionistas, corretores e analistas de investimentos, e outros relatórios destinados a autoridades regulatórias ou obrigatórios por lei, além de qualquer relatório que tenha sido preparado para os fins aqui descritos, tais como relatórios ambientais, memorandos, relatórios especializados e outros documentos técnicos;
  • Esses documentos também podem destinar-se a satisfazer exigências regulatórias.

No âmbito internacional, o objetivo das “declarações públicas” é informar ao acionista, investidor ou possível interessado sobre o quão claras estão as informações que consubstanciam aquele relatório. No âmbito da Resolução ANM, o cliente das informações do SBRRM é a ANM – que vai consumir as informações para definição de estratégias e políticas públicas referentes ao inventário mineral brasileiro – e não o público em geral, uma vez que serão divulgadas poucas informações, a critério e interesse do empreendedor.

Outro ponto sensível da Resolução é o Art. 9º, que converte automaticamente as classes de recursos em reservas:

  • As reservas medida, indicada e inferida dos RFPs entregues antes da entrada em vigor da resolução serão consideradas, respectivamente, como recursos medido, indicado e inferido;
  • as reservas minerais dos PAEs apresentados antes da vigência desta resolução serão consideradas da seguinte forma:
  • A reserva medida ou sua porção economicamente lavrável será considerada reserva provada. A porção que não tenha sido considerada economicamente lavrável no PAE será considerada recurso medido,
  • A reserva indicada será considerada reserva provável, se demostrada a sua economicidade no PAE. Caso não tenha sido demostrada a sua economicidade no PAE, reserva indicada será considerada recurso indicado;
  • A reserva inferida será considerada recurso inferido.

As regras de classificação dos padrões internacionais são relacionadas à confiabilidade geológica e à fase do projeto, associadas às etapas e métodos de aquisição de dados, tais como: mapeamento, sondagem, descrição, amostragem, garantia e controle de qualidade (QAQC), armazenamento de testemunhos, gestão da informação, interpretação dos dados, modelagem geológica e geoestatística, entre outros critérios recomendados.

Para garantir que os documentos técnicos vinculados aos processos de direito minerário tenham a credibilidade que esse padrão atribui, inclusive para que o ativo mineral possa ser utilizado como garantia de financiamento e benchmarking (um dos grandes desejos do setor mineral para a atratividade de investimentos), haveria a necessidade de reclassificação dos recursos e reservas de acordo com os estudos realizados até o momento do protocolo do RFP/PAE. A própria classificação de reserva mineral, com aplicação dos fatores modificadores, depende da confiança em um determinado momento, que pode ter sido alterado ao longo do tempo de análise na ANM ou da evolução do título (veja Tabela).

A ANM deverá publicar complementos e esclarecimentos em resoluções que especifiquem os “critérios mínimos” dos documentos técnicos, uma vez que essa prática não é de domínio de grande parte dos profissionais e empreendedores brasileiros, sobretudo os micro e pequenos.

A ampla discussão do tema e a capacitação de profissionais atuantes no setor e dos técnicos avaliadores da ANM é outra premissa importante para que essa transição se dê de forma harmônica.

Sem nenhuma dúvida, a publicação da Resolução 94/2022 foi um avanço para o setor mineral brasileiro. Porém, ainda há muito o que ser feito.

 

Categorias de Recursos e Reservas Minerais
Potencial Exploratório: Avaliação baseada nos resultados de exploração de um corpo mineralizado para o qual não houve ainda trabalhos de pesquisa suficientes para a estimativa dos recursos minerais. Expresso como intervalo de toneladas e teores ou de qualidade
Recurso Mineral: Concentração ou ocorrência de substância mineral que, mensurada, apresenta forma, teor ou qualidade e quantidade com perspectivas razoáveis de aproveitamento econômico. Subdivide-se, em ordem crescente, conforme o grau de confiabilidade da pesquisa geológica nas seguintes categorias:
Recurso Inferido Recurso Indicado Recurso Medido
Parte de um recurso mineral estimado com base em evidências geológicas, técnicas apropriadas de pesquisa e amostragem limitadas que sugerem, mas não atestam, a continuidade geológica, teor ou qualidade do bem mineral. Possui nível de confiabilidade mais baixo que o do recurso indicado e não deve ser convertido para reserva mineral Parte de um recurso mineral estimado com base em técnicas adequadas de pesquisa, derivadas de exploração, amostragem e testes com detalhamento adequado, confiáveis e suficientes para assumir a continuidade geológica, teor ou qualidade, densidade, forma e características físicas do depósito mineral entre os pontos de observação. Permite a aplicação de fatores modificadores em detalhe suficiente para embasar o planejamento da mina e a avaliação preliminar da viabilidade econômica do depósito. O recurso indicado possui nível de confiabilidade mais baixo que o recurso medido e pode ser convertido apenas em reserva provável Parte de um recurso mineral estimado com base em técnicas apropriadas de pesquisa, derivadas de exploração, amostragem e testes detalhados e confiáveis o suficiente para confirmar a continuidade geológica, teor ou qualidade, densidade, forma e características físicas do depósito mineral entre os pontos de observação. Permite a aplicação de fatores modificadores para o planejamento de mina detalhado e a avaliação final da viabilidade econômica do depósito. O recurso medido é o que possui nível mais alto de confiabilidade geológica, já que pequenas variações na estimativa não afetam a potencial viabilidade econômica do projeto. Pode ser convertido em reserva provável ou reserva provada
Reserva Mineral: Parte economicamente lavrável de um recurso mineral medido e/ou indicado, cuja viabilidade técnico-econômica da lavra tenha sido demonstrada por meio de estudos técnicos adequados que incluam a aplicação de fatores modificadores. Subdivide-se, em ordem crescente, conforme o grau de confiança dos fatores modificadores aplicados sobre os recursos minerais previamente definidos, nas seguintes categorias:
Reserva Provável Reserva Provada
Porção economicamente lavrável de um recurso mineral indicado e, sob determinadas circunstâncias, de um recurso medido. A confiabilidade nos fatores modificadores é inferior à aplicada à reserva provada, mas suficiente para servir como base para uma decisão sobre o desenvolvimento de um depósito mineral Porção economicamente lavrável de um recurso mineral medido, identificada por meio de estudos desenvolvidos com elevado grau de confiança nos fatores modificadores aplicados
Fatores Modificadores: Considerações usadas para a conversão dos recursos medidos e/ou indicados em reservas provadas e/ou prováveis. Os fatores modificadores incluem – mas não se limitam – considerações sobre método de lavra, processamento mineral, metalurgia, infraestrutura, economicidade, mercado e aspectos legais, ambientais, sociais e governamentais

Tabela: Categorias de recursos e reservas minerais

Fonte: Resolução ANM 94/2022, ajustada por Cuchierato

1 Glaucia Cuchierato é Geóloga e Mestre em Recursos Minerais pelo IGc-USP, Doutoranda em Engenharia Mineral pelo PMI-EPUSP (Projeto: “O valor da qualidade da informação no processo de declaração de recursos minerais”) e Diretora Executiva da GeoAnsata Projetos e Serviços em Geologia

 

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