UM ADVOGADO DAS CAUSAS NORMATIVAS DA MINERAÇÃO

UM ADVOGADO DAS CAUSAS NORMATIVAS DA MINERAÇÃO

Com mais de 30 anos de serviço público, 16 deles na consultoria jurídica do Ministério de Minas e Energia e, por extensão no antigo DNPM, atual Agência Nacional de Mineração (ANM), ele participou de eventos históricos do setor mineral, como a primeira discussão sobre a revisão do Código Nacional de Mineração e a elaboração do marco regulatório do pré-sal. Foi ainda membro do Conselho de Administração da CGTEE (Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica), vinculada a Eletrobras, dirigida à produção de energia a partir do carvão mineral, e, hoje, é do conselho da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), que responde pela gestão de usinas nucleares no Brasil – Itaipu, Angra 1, 2 e 3 e, mais recentemente, da INB (Indústrias Nucleares do Brasil).

Foi esse perfil, acredita o advogado da União concursado em 2005, que fortaleceu sua indicação ao cargo de diretor-geral da ANM. Um longo caminho iniciado com a escolha de seu nome pelo Governo Federal da época, sabatina e aprovação pelo Senado Federal e posse em 8 de dezembro de 2022, substituindo Victor Hugo Froner Bicca, cujo mandato expirou quatro dias antes, em 4 de dezembro.

Mauro Henrique Moreira Sousa realmente conhece muito do que chama de arcabouço jurídico e normativo da ANM. Com a simpatia característica de todo maranhense e uma prosa que lembra o estilo impecável do maior escritor de sua terra, Josué Montello, o executivo discorre com desenvoltura sobre bandeiras, desafios e tendências da mineração brasileira e sobre o papel fundamental que a agência reguladora ocupa, por dever, nesse universo de nossa economia. Fala da equivalência salarial dos funcionários à tabela aplicada por órgãos congêneres, deficiências estruturais, competências – inclusive diante do exercício do garimpo ilegal -, repasse da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), valoração de multas e chega aos minerais estratégicos para a transição energética.

Esses e outros temas são o assunto desta entrevista exclusiva à revista In the Mine. Sousa, que gosta de música, tem, por coerência, John Lennon como ídolo, seu pai como mestre e um projeto ambicioso: transformar a ANM em referência no cenário regulatório da mineração. Aos jovens bacharéis de direito lembra que “existem outros mundos além do jurídico”.

ITM: Como sua atuação profissional contribuiu para o exercício do cargo de diretor geral da ANM?

Sousa: Concursado como advogado da União, fui designado para atuar junto à Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia (MME) em 2005. Nos 16 anos que passei nessa área, fui responsável, por exemplo, por coordenar o Grupo de Trabalho criado para discutir a revisão do Código Nacional de Mineração, em 2009. Também coordenei o grupo que elaborou o marco regulatório do pré-sal. Ao todo, tenho mais de 30 anos de experiência no Serviço Público, com destaque para a administração da extinta CGTEE (Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica), empresa vinculada à Eletrobras e voltada à produção de energia com base em carvão mineral. Também sou membro do Conselho de Administração da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), criada para gerir a Itaipu Binacional, os complexos nucleares de Angra 1, 2 e 3 e, recentemente, também a INB (Indústrias Nucleares do Brasil). Acredito que esse acúmulo de conhecimentos e experiências me deram o perfil necessário para ser indicado ao cargo de diretor-geral da ANM, em abril de 2022.

ITM: A ANM tem sérios problemas de carência material, de recursos humanos e orçamento, além uma tabela salarial discrepante em relação à de outras agências reguladoras. Como o senhor pretende enfrentá-los?

Sousa: Essas são questões que se referem não só à ANM, como à percepção que o mercado tem sobre a capacidade da agência de exercer sua missão institucional. É um diagnóstico que já foi feito pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e repassado à equipe de transição do novo governo. A questão dos salários é primordial, assim como a recomposição do quadro funcional. Tivemos uma interlocução muito forte com a equipe de transição, inclusive com o ministro que veio a ser nomeado para a pasta de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também realizamos um trabalho intenso no Congresso Nacional, fazendo passar dispositivos referentes à equiparação salarial e estruturação da agência, que acabaram vetados pelo governo anterior. Estamos contando com muito apoio agora e temos tido discussões no MME, no Ministério da Gestão e Inovação (MGI) e devemos ampliar esse diálogo junto aos ministérios da Fazenda e da Economia. Nessas reuniões, temos insistido na necessidade de corrigir nossa distorção salarial e nossa deficiência estrutural.

ITM: O repasse integral da parcela da CFEM devida a ANM é sempre lembrada como solução para os problemas da agência. Como está esse repasse?

Sousa: Em 2021, o repasse da CFEM recolhida em 2020 deveria ter sido em torno de R$ 700 milhões, mas recebemos apenas R$ 90 milhões. Em 2022 seriam R$ 490 milhões e recebemos novamente R$ 90 milhões, mesmo valor previsto na proposta orçamentária deste ano, já aprovada. Havíamos proposto um acréscimo de  R$ 88 milhões, que não foi autorizado.

“Temos programas e projetos que podem avançar muito se tiverem um aporte de tecnologia e outros que ficaram no meio do caminho devido à falta de recursos”

ITM: Como esses recursos serão aplicados?

Sousa: Nossa prioridade é a infraestrutura. Temos programas e projetos que podem avançar muito se tiverem um aporte de tecnologia. Mas também temos projetos que ficaram no meio do caminho devido à falta de recursos. Todos teriam impulso significativo com o uso, por exemplo, de Inteligência Artificial (IA) para melhorar e tornar nossos procedimentos internos mais céleres e ampliar nossa interação com o mercado e com usuários de nossos serviços, elevando o atendimento ao nível que a sociedade precisa e merece. Outra aplicação necessária é a capacitação de pessoal, em que temos de investir bastante.

ITM: No caso do orçamento é possível fazer uma suplementação…

Sousa: Sim. A dinâmica orçamentária tem essa peculiaridade e o requerimento de suplementação de recursos, junto aos ministérios competentes, é uma prática rotineira dos órgãos. Mas também podemos ser surpreendidos pela tesoura dos cortes, que às vezes não olha por onde passa. Essa oscilação faz com que nossa área financeira esteja sempre atenta a uma ou outra situação.

ITM: Ainda falando em recursos financeiros, tivemos a publicação da Resolução nº 122, em dezembro de 2022. Essa disposição foi muito mal recebida pelo setor mineral devido à majoração do valor de multas. É fato que ela será revisada?

Sousa: Esse assunto tem uma carga polêmica, ainda que não exacerbada. A resolução foi tratada pela diretoria anterior da ANM, a partir de obrigação de editarmos uma regulamentação dos decretos nºs 10.965/22 e 10.197/22, até 30 de novembro de 2022. Ao final desse processo, o resultado não pareceu adequado às expectativas do setor. No entanto, a aplicação das multas resulta do exercício do poder de polícia, típico das agências reguladoras, não apenas do ponto de vista da regulação em si, mas do processo fiscalizatório que cabe a elas.  A instituição de multas e penalidades de modo geral, que é competência da agencia, tem que ser dosada de forma adequada e ter perspectivas de previsibilidade, regularidade e segurança para todos os agentes relacionados. Sua pergunta traz um aspecto subliminar quando você trata de multas como recursos financeiros, continuando a questão anterior que fala de CFEM.

ITM: Por quê?

Sousa: Porque a Resolução 122/2022 não tem e nem deve ter qualquer cunho arrecadatório ou confiscatório. Nesse sentido, podemos lembrar a nova lei de barragens, que substituiu uma legislação bastante simplória em termos da aplicação de multas e dos seus valores especialmente. O próprio mercado entende que essas multas tinham um valor inexpressivo e não estavam muito adequadas à proporcionalidade do dano causado por acidentes envolvendo barragens. A nova lei de barragens trouxe um olhar para esse aspecto, do dano efetivo – ambiental, social, patrimonial -, que possa decorrer de atividades que não sigam as boas práticas. Do ponto de vista dos valores impostos, essa é a tônica da Resolução 122/2022.

ITM: Entendo. Mas haverá uma revisão?

Sousa: Há distorções que foram reconhecidas e a nossa percepção é que é necessária uma adequação. Nesse contexto, convidamos os agentes do setor e seus representantes para uma conversa sobre o assunto. Abrimos uma Tomada de Subsídios e já realizamos reuniões com minas participativas e escritórios de advocacia especializados no setor mineral, na penúltima semana de janeiro. A expectativa é que, em um breve espaço de tempo, consigamos fazer a revisão necessária para que a aplicabilidade da resolução ocorra do modo mais adequado, lúcido e proficiente. É um caminho que busca consensos, em torno do que for possível, sem abrir mão do papel fiscalizatório e do exercício do poder de polícia inerente à nossa atividade.

“Precisamos de maior dinamismo para o financiamento dos projetos de pesquisa mineral, dando continuidade a discussões que já existiam na gestão anterior”

ITM: A maioria das críticas ao valor das multas vem da área de pesquisa mineral.

Sousa: Somos sensíveis a isso e temos insistido na interlocução permanente. Queremos ser mais permeáveis, ouvindo os agentes do setor e a sociedade. Como falei em meu discurso de posse, a ANM precisa ser mais aberta e menos insular. Precisamos de maior dinamismo para o financiamento dos projetos de pesquisa mineral, dando continuidade a discussões que já existiam na gestão anterior da agência. Tive recentemente uma reunião com o presidente do Conselho de Administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre esse tópico, para reforçar a necessidade de um olhar especial para a mineração nessa fase em que o acesso a financiamento é crucial.

ITM: Está em curso a segunda Agenda Regulatória da ANM para o biênio 2022-2023. Qual é a importância dessa agenda para a atuação da agência?

Sousa: A Agenda Regulatória é uma imposição legal, que integra as boas práticas de toda agência reguladora, trazendo previsibilidade à sua atuação. Ela deve ser construída a partir das contribuições, expectativas e percepções do mercado e da própria sociedade para o setor. Também não é um programa fixo, mas ajustável conforme surjam novas prioridades e demandas. Nosso

trabalho busca o desenvolvimento socioeconômico do país, de forma alinhada à política do governo. Agora, temos a expectativa do relançamento, em breve, do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), criado em 2022, com uma nova composição, de acordo com a visão do novo governo. A agenda regulatória responde a esses vários inputs – do governo central, do mercado e da sociedade, sendo um instrumento extremamente dinâmico.

ITM: A ANM fará parte do CNPM?

Sousa: A princípio não, por não sermos um órgão formulador de políticas públicas. Mas podemos interagir, a exemplo do que já acontece com o Conselho Nacional de Política Energética, que não tem a participação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ou da ANP (Agência Nacional de Petróleo), embora sejam influenciadas por elas na tomada de decisões técnicas. Nosso papel será esse. O CNPM será fundamental como espaço de discussão e definição de políticas públicas, que tangenciam as políticas de outras áreas. É o caso da ocupação de Unidades de Conservação por atividades econômicas como a mineração ou o uso de recursos hídricos para abastecimento de minas em relação a comunidades locais, que envolvem outros órgãos de governo. O Conselho dará à agência maior capacitação para traçar seus caminhos a partir das políticas minerais que venha a definir.

ITM: A Agenda atual consiste de 39 temas – 24 da Agenda Prioritária e 15 da Agenda Indicativa – classificados em seis eixos temáticos. Quais desses temas o senhor destacaria?

Sousa: Temos uma agenda bastante ambiciosa. Agora já passamos de 39 para 44 temas, sendo 26 na Agenda Prioritária e 18 na Indicativa. Entre eles, um destaque é a regulamentação da automatização das outorgas de licenciamento, do ponto de vista normativo, que fica a cargo dos municípios, principalmente no que se refere à mineração de agregados. Como temos mais de cinco mil municípios no Brasil, precisamos de um nível maior de controle. Outro tema que está se tornando prioritário para regulação pela agência diz respeito à lei de lavagem de dinheiro, de 1991, no que se relaciona ao garimpo de ouro, desde a identificação da origem do metal, passando por sua primeira aquisição até sua exportação. Essa discussão envolve a Receita Federal e o Banco Central, considerando a natureza do bem, como ativo financeiro ou não, e a forma como ele será tributado. Também precisamos regulamentar a declaração de informações econômico-fiscais, que está relacionada à questão arrecadatória e é inerente à atividade do poder público. No nosso caso, precisamos ampliar nossa capacidade de identificar um eventual não recolhimento da CFEM, por exemplo, além de outros indícios de irregularidades que escapam ao nosso alcance fiscalizatório hoje.

ITM: Na sabatina do Senado, que aprovou sua indicação para o cargo de diretor-geral da ANM, o senhor criticou a morosidade do licenciamento ambiental no Brasil. Quais seriam suas sugestões de mudança a esse processo?

Sousa: A lei geral das agências reguladoras possui capítulos específicos que tratam de nossa interação com órgãos congêneres. Assim, temos que considerar os arranjos entre as empresas, as cessões de direito, as fusões e aquisições, interagindo com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por exemplo, e estamos discutindo com a ANEEL a precificação do carvão mineral. Mas ainda não temos essa dinâmica de interação com os órgãos ambientais. O que eu defendo há muito tempo não trata da morosidade do processo, porque ela é muito relativa dependendo da complexidade do projeto. Eu falo do processo em si. Temos uma legislação que define um processo tradicional para a mineração, com licença prévia, de instalação e de operação. Ordinariamente, o órgão ambiental precisa ouvir entidades como o IPHAN (patrimônio histórico e artístico) e o ICMBIO (biodiversidade), no nível federal, e todos quantos tiverem relação com um espaço territorial que pode ser objeto de um projeto minerário, o que leva a certa morosidade do processo. A questão principal, me parece, é a discussão sobre a competência do licenciamento ambiental. Às vezes, a morosidade não decorre da normatização do tema, mas da interpretação que se dá a ela.

ITM: O que dá margem à judicialização do processo, não?

 Sousa: No Brasil, nós, advogados, aprendemos muitas práticas processuais e poucas materiais nos bancos da faculdade. Essa formação nos estimula a recorrer ao Poder Judiciário que, muitas vezes, não é o único ou o melhor lugar para se buscar justiça, como faz o Ministério Público, preferencialmente. Nem sempre os tribunais estão aparelhados cognitivamente para analisar matérias mais complexas. Eu defendo que busquemos outro tipo de composição para realizar esse debate. Já do ponto de vista normativo, temos o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental e está tramitando no Senado. Também no Senado, há o projeto de lei apelidado de “fast track” (via rápida), voltado a projetos incluídos no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), do governo federal, com o objetivo de agilizar seu licenciamento, fundamentais que são ao desenvolvimento econômico e social do país. Se essas iniciativas forem em frente, teremos uma maior uniformidade nos critérios de licenciamento ambiental, em lugar de cada estado ou município trabalhar de forma distinta, o que pode até comprometer a higidez do processo. A ANM não quer que o licenciamento seja relaxado. A sustentabilidade da mineração passa pelo respeito aos cânones necessários para que a atividade se desenvolva com boas práticas operacionais e ambientais, da forma como nossa sociedade exige e precisa.

ITM: Por falar em morosidade, como está o cronograma de novos leilões de áreas em disponibilidade?

Sousa: As rodadas de disponibilidade já fazem parte de nossa rotina de trabalho, tanto que nem integram a Agenda Regulatória. Temos que reduzir o estoque dessas áreas e melhorar nosso arsenal de ferramentas e processos para sua oferta com maior agilidade ao mercado. Partimos de um sistema analógico e tivemos problemas com a introdução de algumas tecnologias que trouxeram irregularidades ao processo. Hoje, já contamos com mecanismos mais tecnológicos, que identificam essas áreas de forma mais ágil. Mesmo assim, esbarramos em nossa dificuldade estrutural, que não nos permite tocar esse trabalho no ritmo que gostaríamos. Temos um estoque de cerca 70 mil áreas, um número flutuante devido às novas áreas que são incorporadas, e pretendemos realizar ao menos duas rodadas de disponibilidade ao ano, cada uma com cerca de 4.500 áreas. Ainda é um número pequeno de rodadas e áreas ofertadas. Mas nos falta estrutura para realizar esses certames com maior regularidade.

ITM: Quais foram os resultados da emissão de títulos para pesquisa mineral e lavra em 2022, com relação a 2021, e quais são suas projeções para este ano?

Sousa: Houve uma pequena redução. Em 2021 foram protocolados 16.946 requerimentos para pesquisa mineral e emitidos 10.098 alvarás, contra 14.410 requerimentos e 9.732 alvarás em 2022. Para fins de lavra, tivemos a outorga de 760 concessões em 2021 e de 661 em 2022. Para 2023, é complicado fazer uma projeção porque o mercado de mineração tem uma dinâmica própria. Estamos no início de um novo governo, com uma nova política, não só minerária como econômica, com um novo peso da questão ambiental sobre o setor e precisamos acompanhar a variação do dólar, que impacta no financiamento dos projetos. Em março próximo, teremos o PDAC (encontro de empresas de exploração mineral), no Canadá, que é um termômetro de como está o humor de investidores em relação ao Brasil. Internamente, temos a agenda de minerais críticos e a questão da transição energética, que também podem estimular o apetite do mercado.

ITM: Como coibir o garimpo ilegal, que se expandiu nos últimos quatro anos?

Sousa: Esse assunto é bastante sensível e complexo e exige uma abordagem ampla. Do ponto de vista normativo, a Lei nº 7.805, de 1989, já disciplina a atividade garimpeira. A própria Constituição Federal trata do estímulo ao garimpo regular, através da associação dos garimpeiros em cooperativas. O que estamos vendo é o exercício do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY), provocando uma reação do governo. Nesse contexto, a ANM deve ter um papel importante. Já temos uma portaria que disciplina todo o arcabouço normativo da atividade, mas novamente esbarramos em dois aspectos. O primeiro é nossa capacidade fiscalizatória, diminuta em relação ao que seria necessário. O segundo é que qualquer atividade mineral ilegal supera a competência da ANM. Só temos poder de polícia em um espaço territorial onde houve uma autorização legítima, sobre a qual incide nossa fiscalização, a aplicação de multas e a interdição, se for o caso, assim como a orientação quanto a medidas baseadas em boas práticas minerais e ambientais. Por outro lado, a ANM pode fornecer informação sobre as áreas legalmente concedidas para atividade mineral ao aparato de estado, que deve envolver a Polícia Federal, o IBAMA, as Forças Armadas e a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), cada qual em sua competência. O garimpo ilegal de ouro, além de prejudicar o meio ambiente, a saúde das pessoas e a arrecadação tributária, é uma usurpação de bens da União. A ANM deve se empenhar para encontrar os meios e instrumentos para dar uma resposta contundente a essa prática condenada.

ITM: Na mineração legal, um dos pontos críticos ainda são as barragens de rejeitos. Como tem sido a atuação da ANM nessa área?

Sousa: Uma das mudanças que fizemos na estrutura orgânica da agência foi elevar a antiga gerência ao status de Superintendência de Segurança de Barragens de Mineração (SBM), concebida para monitorar e fiscalizar essas estruturas, muitas em processo gradativo de descaracterização. Em termos de equipe, abrimos um concurso público para 40 vagas na área de fiscalização. Somente 22 aprovados assumiram o cargo e hoje só 13 deles permanecem na SBM. Muitos foram para empresas privadas, onde o salário é mais atrativo. Já realizamos um segundo concurso para mais 40 vagas e, em janeiro passado, solicitei ao MGI a nomeação dos candidatos aprovados. Também temos investido em novas tecnologias e queremos ampliar o SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração), que permite o acesso público à classificação, localização, estatísticas e dados desses reservatórios.

ITM: Como a ANM pode contribuir para o desenvolvimento da pesquisa de substâncias minerais estratégicas à transição energética?

Sousa: Nosso papel no fomento à pesquisa mineral é primordial. Além do estoque de áreas em disponibilidade, precisamos conjugar esforços com o MME e outros órgãos, para que o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME), volte a operar neste novo governo. Com o SGB (Serviço Geológico do Brasil – CPRM), precisamos ampliar e detalhar o indicativo de áreas promissoras para substâncias como o lítio, níquel e terras raras, fundamentais para a transição energética. No caso do lítio, já fizemos uma alteração normativa importante para flexibilizar sua comercialização. Como já disse, estamos conversando com o BNDES sobre oportunidades de financiamento de projetos de pesquisa mineral, usando o título minerário como garantia. Obviamente, aguardamos uma política específica para o uso de minerais estratégicos, para realizar sua regulação viabilizando um ambiente de negócios favorável ao seu desenvolvimento e emprego na transição energética.

“O Código de Mineração é bem estruturado e tem dado conta de muitas questões. Mas  temos que olhar o arcabouço jurídico como um todo e eu defendo que ele seja moderno”.

ITM: Em sua opinião é preciso alterar novamente o Código Nacional de Mineração?

Sousa: Eu ouço de algumas pessoas, não muitas, que o código é antigo porque é de 1967. No entanto, temos o Código de Águas Minerais, que é da década de 1940 e ainda está em vigor, e o Código Civil, de 1916, inspirado no Código Napoleônico, do século XIX, que perdurou até 2003. Eu sou adepto da ideia de que a idade da legislação indica se ela é interessante ou não. Ou teríamos que mudar todos os códigos a cada 5 ou 10 anos, conforme os humores de ocasião. Acho que o Código de Mineração é bem estruturado e tem dado conta de muitas questões para as quais foi redigido. De qualquer forma, temos que olhar o arcabouço jurídico como um todo e eu defendo que ele seja moderno. Por exemplo, a Lei de Liberdade Econômica (13.874/2019) traz dispositivos interessantes para estimular a atividade econômica de um modo menos engessado, que poderia ser aplicado ao Código de Mineração. Claro que esse código foi concebido num ambiente cartorial, em uma época que ainda usava o carimbo para a legitimação documental. Mas já superamos isso e suprimimos exigências que já não fazem sentido. Eventualmente pode ser proposta alguma alteração. Mas temos uma hierarquia normativa que deve ser observada no espaço de conformação da ANM, enquanto agência reguladora. Temos espaço para manejar determinas normativas contribuindo para superar entraves, sem confrontar o código.

mauro henrique moreira souza-2

Perfil

Nasceu em: São Luís, no Maranhão, em 17 de novembro de 1964

Mora em: Brasília (DF)

Trajetória Acadêmica: Iniciou o curso de Direito na UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e finalizou na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Pós-graduado em Políticas Públicas e Gestão Governamental nos setores energético e mineral pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Com especialização em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, na Espanha

Trajetória Profissional: INPS (atual INSS – Instituto Nacional do Seguro Social), entre 1985 e 1989. Analista processual na Caixa Econômica Federal e no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (1989-2001). Advogado autônomo (2001-2005). Concursado como Advogado junto à Advocacia Geral da União (AGU), em 2005, atuou no Ministério Público da União, sendo designado, no mesmo ano, para a Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia (MME).  Foi membro do Conselho de Administração da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica – CGTEE (2008-2016). É membro do Conselho de Administração da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional) desde 4 de janeiro de 2022

Família: Esposa, dois filhos e uma neta

Hobby: Ouvir música

Time de Futebol: Flamengo

Um mestre/ídolo:  Como ídolo, John Lennon. Como mestre, meu pai

Maior decepção até hoje: Não ter terminado o curso superior de Administração

Maior realização até hoje: Meus filhos

Um projeto: Estruturar a ANM, incluindo a valorização do seu corpo funcional, para juntos transformá-la em referência no cenário regulatório

Um “conselho” a jovens advogados: Existem outros mundos além do jurídico

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.