REFLEXÕES SOBRE O GRUPAMENTO MINEIRO

por-williamfreire

O Grupamento Mineiro, instituto dos mais relevantes para o desenvolvimento da mineração, merece lugar nesta coluna. Nosso estudo começa pelo excelente Voto GG/ANM nº 301, de 2 de março de 2022.

A decisão, acolhida por unanimidade pela Diretoria-Colegiada da Agência Nacional de Mineração — ANM, estudou requerimento de Grupamento Mineiro envolvendo concessões de lavra para Minério de Ferro e outros para Minério de Ferro e Manganês.

O voto concentra a fundamentação nos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, afirmando que “está bem delineado nas lições do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual a razoabilidade do ato administrativo […] reside na obediência de critérios racionalmente aceitáveis segundo o senso comum, ou seja, conforme a razão do chamado homem médio. Tal critério busca invalidar condutas ‘desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência’ e sensatez, bem como disposição de acatar as finalidades da lei que ampara o ato praticado.”

Vê-se, nesse voto, não apenas o acerto da decisão, mas — e principalmente — a correção da linha de raciocínio: “[…] em respeito ao princípio da segurança jurídica, da legalidade e da razoabilidade, mostra-se desproporcional indeferir tal pleito, considerando que, em caso análogo, a administração adotou procedimento diverso.”

Esse caso anterior trata-se do voto e da deliberação na 32ª Reunião Ordinária, em que uma das concessões de lavra envolvia Vermiculita e a outra envolvia Titânio, Apatita e Vermiculita.

Sobre o mesmo tema, o ângulo de análise deste artigo é outro: Como os meios de integração e os métodos de interpretação dos preceitos jurídicos se aplicariam ao referido caso?

Os meios de integração, conforme o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro são a analogia, os costumes e os Princípios Gerais de Direito.

Os métodos de interpretação são o gramatical, o racional, o sistemático, o histórico e o teleológico.

Os componentes da interpretação racional são a mens legis, a mens legislatoris, a occasio legis, o argumento a contrario sensu e o argumento a fortiori.

Partindo da questão, agora a ser submetida à aplicação dos meios de integração e dos métodos de interpretação dos preceitos jurídicos para aplicação do Direito: a ANM pode atender requerimento de formação de um grupamento de concessões de lavra que contenham substâncias diferentes?

A primeira providência é confirmar a ocorrência de uma lacuna normativa ou axiológica (de clareza, de sentido). Há lacuna normativa, porque não há preceito jurídico que dê solução direta para a pergunta.

Para a analogia busca-se disposição jurídica que tenha identidade com o assunto estudado: há o art. 37 do Código de Mineração exigindo, entre vários requisitos (atendidos no caso em estudo), que as concessões de lavra sejam para a mesma substância.

Dos vários métodos de interpretação, tem relevo, neste estudo, o racional, com especial análise para a Mens Legislatoris. Por que o legislador restringiu o cabimento do Grupamento Mineiro às concessões da mesma substância? Se, na década de sessenta, o grau de tecnologia e a sinergia dos processamentos de beneficiamento fossem os atuais, o legislador teria normatizado da mesma forma? Provavelmente não, porque tal restrição não faria sentido.

Por que o legislador usou apenas o termo concessão? Porque não havia, em 1967, os Licenciamentos Minerais nem as Permissões de Lavra Garimpeira.

Pode-se estender o conceito de concessão de lavra para incluir as concessões de lavra arrendadas? Pode ocorrer Grupamento Mineiro entre duas concessões de lavra arrendadas? Um Grupamento Mineiro pode ser formado por concessões de lavra de uma empresa e concessões arrendadas para essa empresa? Em todos os casos a resposta é positiva.

Como ensina Carlos Maximiliano (para recorrer a um clássico), “Não há fórmula que abranja as inúmeras relações eternamente variáveis da vida; cabe ao hermeneuta precisamente adaptar o texto rígido aos fatos, que dia a dia surgem e se desenvolvem sob aspectos imprevistos.” (Hermenêutica e aplicação do Direito.2010, p. 29).

Todos esses ensinamentos mostram a importância do estudo da hermenêutica para evitar interpretações cujas conclusões sejam (i) absurdas, (ii) inexequíveis, (iii) contraditórias, (iv) não façam sentido na prática, (v) criem restrições ao melhor aproveitamento da jazida, (vi) criem restrições à sinergia entre direitos minerários, (vi) criem situações que façam aumentar o custo de produção desnecessariamente ou (vii) imponham ao administrado obrigação e/ou esforço desnecessário e/ou desproporcional em relação ao resultado pretendido.

Estudamos o mesmo instituto por dois ângulos diferentes, chegando à mesma conclusão. Coisa de ciência não exata, coisa da interpretação jurídica.

[1]WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Fundador e diretor do Instituto Brasileiro de Direito Minerário — IBDM. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB.  Principais livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (1995. 2ª ed.). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – Coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – Coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005).  Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – Cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª. ed. 2008 – Coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – Coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – Coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5 ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013. Cocoordenador). The Mining Law Review. 6a. edição. Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. 7a. ed. London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª edição, 2020).

 

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