O PRÊMIO FINANCEIRO DE CONTRATOS SUSTENTÁVEIS

O PRÊMIO FINANCEIRO DE CONTRATOS SUSTENTÁVEIS

Por Tiago de Mattos e Nathália Andrade*

A BMW anunciou recentemente sua entrada no IRMA2 (Initiative for Responsible Mining Assurance), a primeira montadora a fazer esse movimento. Na prática, ela está se comprometendo a só adquirir – e ser auditada nesse sentido – produtos minerais de minas sustentáveis, em que a operação seja realizada em absoluto respeito às normas ambientais e sociais. A empresa se junta a um grupo de várias outras, líderes em seus setores, que firmaram tal compromisso desde a criação da instituição em 2006.

A notícia ilustra uma tendência recente quase paradoxal do setor mineral: a “descomoditização” das commodities minerais. Ainda que com as mesmas características físicas e químicas, produtos minerais passam a se diferenciar por sua origem e métodos de obtenção.

A necessidade de cumprimento de regras de sustentabilidade na produção mineral não é novidade, mas o fenômeno vem tomando uma nova feição nos últimos anos. Isso porque os compradores têm se mostrado dispostos a pagar, em determinadas circunstâncias, um preço adicional por produtos cuja procedência é certificada.

Linhas de crédito direcionadas a projetos sustentáveis

A precificação contratual da sustentabilidade já alcançou, inclusive, o setor financeiro. Em evolução aos empréstimos verdes – termo cunhado para classificar linhas de crédito direcionadas a projetos sustentáveis, como energia limpa – percebe-se o crescimento dos Sustainability Linked Loans. Trata-se de instrumentos de empréstimo que incentivam o empreendedor a buscar a sustentabilidade como um dos principais objetivos de sua produção. Quanto melhores os indicadores, menores as taxas de juros. Para os financiadores o modelo é igualmente vantajoso, pois reduz a exposição da instituição financeira em casos de condutas que violem o meio ambiente e os direitos humanos.

O aumento da popularidade desse instrumento é comprovado por estudo da Bloomberg:

1A versão estendida do artigo está disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sustentabilidade-contratos-minerarios-e-valor-26012020
2O site da IRMA traz os detalhes do ingresso: https://responsiblemining.net/2020/01/10/bmw-group-joins-theinitiative-for-responsible-mining-assurance/

sustainable

Em meados de 2016/2017, o mercado financeiro sustentável cresceu consideravelmente em comparação aos índices dos anos anteriores. A emissão de green bonds atingiu seus maiores recordes, juntamente com os sustainability linked loans.

Financiamento associado ao desempenho de sustentabilidade

Há registro dessa modalidade de investimento também na indústria mineral. A Polymetal, listada na London Stock Exchange e com operações na Rússia, Cazaquistão e Armênia, contratou com o banco ING, em 2018, a conversão de crédito, de cerca de US$ 80 milhões, em financiamento associado ao seu desempenho de sustentabilidade.

Os avanços de ESG serão auditados pela consultoria independente Sustainalytics, e caso haja evolução de indicadores, a taxa de juros será reduzida3. Modelo semelhante foi usado pela Atlantic Copper (empresa do grupo FreeportMcMoRan) para obter €25 milhões de empréstimo junto ao banco BBVA74.

Além dos Sustainability Linked Loans, há espaço na indústria mineral para extensão das regras de sustentabilidade a outras modalidades contratuais. É o caso, por exemplo, dos contratos de royalties, que podem admitir a negociação de valores mais atrativos para o minerador que adota práticas sustentáveis capazes de minimizar a utilização de recursos naturais e o passivo ambiental.

Cláusulas de sustentabilidade para redução de riscos

As Joint Ventures na mineração tendem a ser estimuladas com a inclusão de cláusulas de sustentabilidade que garantam aos parceiros internacionais riscos financeiros reduzidos em função da minimização de impactos econômicos, ambientais e sociais.

3 https://www.polymetalinternational.com/en/investors-and-media/news/press-releases/25-04-2018/
4 https://www.bbva.com/en/bbva-assists-atlantic-copper-with-their-first-sustainable-financing-activities/

Até mesmo os contratos firmados com proprietários de áreas necessárias à mineração poderão ser alcançados. É possível ao minerador negociar a alocação de determinadas obrigações e riscos, assumindo, em contrapartida, o compromisso de adotar métricas de sustentabilidade que impulsionem o desenvolvimento, diminuam passivos – e, eventualmente, diminuam as contraprestações financeiras, deixando os ajustes mais vantajosos.

A disseminação desses instrumentos na indústria mineral é uma excelente oportunidade de negócio para ajudar a recuperar a sua imagem. Além dos ganhos óbvios, e até éticos, no desenvolvimento de projetos minerários sustentáveis, mecanismos verdes passam a ser incentivos econômicos úteis e atrativos. Se adequadamente monetizados – e estruturados contratualmente – podem funcionar como fonte de custeio das despesas adicionais com a sustentabilidade, tornando tais projetos ainda mais competitivos.

A depender de sua evolução, é de se esperar que, em breve, “BMWs de outros setores” formalizem sua adesão a institutos de certificação sustentável, ajudando a materializar a profecia de Jeffrey Sachs5 ao afirmar que só a superação da mentalidade BAU – Business As Usual rumo ao SDP – Sustainable Development Path garantirá o futuro do crescimento econômico global.

5Sachs, Jeffrey author. The Age of Sustainable Development. New York: Columbia University Press, 2015.

*Tiago de Mattos é sócio do William Freire Advogados e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Nathália Andrade é advogada do William Freire Advogados Associados

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