Por William Freire
Em recente artigo meu — Princípios à Moda da Casa — analisei o problema da prodigalidade na invenção de princípios jurídicos. O foco, agora, é pesquisar quais são, na atualidade, os princípios do Direito Minerário. Como a doutrina está em constante evolução, a pergunta é de extrema relevância.
No livro Os Onze (RECONDO, Felipe. WEBER, Luiz. Os Onze: o STF, seus bastidores e suas crises. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 107), os autores relatam interessante caso ocorrido durante uma votação no Supremo Tribunal Federal: “Isso está me parecendo um salto triplo carpado hermenêutico”, Ayres Brito disparou contra Cezar Peluso.
Do livro O retorno ao positivismo jurídico: Reflexões de um juiz desencantado (FOMES, Fábio, R. Niterói/RJ: Arthe, 2020), extraem-se interessantes passagens: “[…]o vale-tudo principiológico de agora” e “[…] uso abundante de princípios retóricos para a manipulação do direito” e “[…] posso afirmar, sem medo de errar, que o atual estado de coisas produziu três consequências práticas letais para qualquer modelo de direito: uma medonha insegurança jurídica, uma avalanche de processos e uma crise institucional sem precedentes.”
André Vargas (Princípios do Direito: Um guia de A a Z. E-book Kindle, 2020) cataloga mais de 2.000 princípios.
Para não cair na mesma tentação de criar princípios do Direito Minerário sem qualquer critério, o primeiro passo é pesquisar se há tais critérios e, se existirem, quais seriam os adequados para aferir se determinado preceito jurídico pode ser considerado princípio.
Neste curto espaço, busco luzes, principalmente, num livro excelente: Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, de Humberto Ávila (17ª ed. Rev. e Atual. São Paulo: Malheiros, 2016).
A primeira afirmação é: Há princípios do Direito Minerário.
A segunda é: Não há princípios expressos do Direito Minerário.
Doutrina e jurisprudência normalmente denominam os princípios não expressos como implícitos. O vocábulo não é dos melhores, porque qualquer um, como têm feito os Ministros do STF, pode encontrar algo etéreo num preceito jurídico, transformá-lo em um princípio e sair aplicando-o a seu bel-prazer.
O melhor, então, é usar a expressão princípio reconhecido, expressão que vem se consagrando na doutrina. Isso significa que o intérprete extrai um princípio de determinado preceito jurídico e o submete à comunidade jurídica para que esta valide a descoberta.
Mas há alguns critérios que podem ser utilizados para aferir se determinado preceito jurídico tem o status de princípio. A relação tem base em Humberto Ávila:
- Critério do modo final de aplicação
- Critério do relacionamento normativo
- Critério do fundamento axiológico
- Critério do conteúdo da disposição
- Critério da estrutura normativa
- Critério da particularidade da aplicação
Segue, então, nossa proposta atual para os princípios reconhecidos do Direito Minerário. Desnecessário dizer que todos passaram pelo crivo dos seis critérios acima:
- Princípio da segurança jurídica extraída do Direito Minerário, independente (mas naturalmente relacionado com) do sobreprincípio da segurança jurídica.
- Princípio da condução da mineração no interesse nacional, envolvendo não apenas o minerador, mas todos os que fazem parte das relações jurídicas decorrentes da mineração, como a Agência Nacional de Mineração — ANM e o Ministério das Minas e Energia — MME, por exemplo.
- Princípio da soberania da União sobre os recursos minerais (termo usado, aqui, em sentido lato).
- Princípio da continuidade da atividade mineral, prestigiando decisões do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que deve permanecer válido mesmo após a revogação dos artigos 57 e 87 do Código de Mineração.
- Princípio da mineração ambientalmente sustentável, extraído não apenas do artigo 225 da Constituição, mas visível em todo o sistema do Direito, influenciando e interagindo com o Direito Minerário.
A falta de critério para criar princípios jurídicos pode levar a algumas situações interessantes. Muitas vezes, a depender da ideologia, cultura, grau de educação ou condições sociais do intérprete, ele, consciente ou inconscientemente, toma a decisão já no primeiro contato com o caso, antes de analisar o caso com profundidade, nada mais fazendo além de procurar fundamentação para sua decisão. Assim, ele pode, facilmente, criar um princípio jurídico para dar suporte à decisão já tomada.
Outra situação pode ocorrer quando, em caso que comporte mais de uma decisão (ambas razoáveis, já que o Direito não é ciência exata), houver possibilidade de envolver e/ou criar diversos princípios. Como definir a superioridade axiológica de uma decisão sobre a outra? Seguindo a percepção do já mencionado Fábio Gomes, uma opção para o intérprete é valer-se de alguns dos dois mil princípios catalogados, ou simplesmente criar mais algum para justificar a decisão.
Feita essa introdução, pergunta-se: E a prioridade? Como evoluiu doutrinariamente? É princípio? É regra-princípio? É postulado? É sistema? Com a resposta, os leitores.