RESISTÊNCIA IDEAL DO PASTEFILL NA MINA TURMALINA*

 Por Daniel Henrique dos Santos Garcia1 e José Margarida Silva2

A estabilização adequada das escavações subterrâneas é um desafio crucial na indústria de mineração. A segurança dos trabalhadores, a proteção das galerias escavadas e das estruturas circundantes dependem diretamente da eficiência dos métodos utilizados para preencher essas escavações. Nesse contexto, a técnica do enchimento, notadamente a de pastefill, tem ganhado destaque como uma solução economicamente viável para o preenchimento de vazios em minas subterrâneas.

Daniel Henrique dos Santos Garcia
Daniel Henrique dos Santos Garcia

O pastefill é um material composto, geralmente constituído por resíduos da indústria de mineração, como polpas de rejeitos ou finos de minério, misturados com uma quantidade controlada de água para criar uma pasta espessa e homogênea, com adição de uma porcentagem também controlada de ligante (comumente, cimento Portland). Essa pasta possui características reológicas especiais que permitem seu transporte eficiente e fácil aplicação em espaços subterrâneos, podendo, inclusive, ser disposta por gravidade, de forma tanto concomitante à extração de minério, quanto na fase de fechamento da mina.

Este estudo foi objeto de dissertação de mestrado aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mineral (PPGEM), do Departamento de Engenharia de Minas da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em 2023, com a finalidade de obtenção do título de Mestre em Engenharia Mineral. O trabalho teve como objetivo geral avaliar o comportamento da resistência à compressão uniaxial (Uniaxial Compressive Strength – UCS), que trata da capacidade de um material resistir à aplicação de forças de compressão, para o enchimento de mina do tipo pastefill frente à variação da porcentagem de cimento Portland usada em sua composição, na mina subterrânea de ouro Turmalina, pertencente ao grupo Jaguar Mining.

Os resultados alcançados visam a um melhor entendimento do potencial e das limitações do pastefill como técnica de preenchimento de escavações subterrâneas, além de fornecer diretrizes e recomendações para sua utilização eficaz e segura, de forma a contribuir para a melhoria dos padrões de segurança e sustentabilidade na indústria da mineração, em especial nas minas optantes por este método de lavra.

Foto1
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Objeto

A mina Turmalina, localizada na Fazenda Sá Tinoco, na divisa dos municípios de Conceição do Pará e Pitangui (MG), é um depósito de ouro orogênico situado no

Greenstone Belt Pitangui, hospedado por unidades de anfibólio-clorita xisto e de biotita xisto. A mineralização ocorre associada a zona de cisalhamento dentro de uma formação ferrífera bandada e em níveis de metachert dentro da sequência estratigráfica. A lavra subterrânea dos corpos vem avançando pelo método de sublevel stoping, com uso de pastefill no preenchimento dos painéis abertos para a extração mineral. O modelo geológico utilizado na avaliação dos recursos utilizou um cut off de 0,3 g/t de ouro para o minério oxidado e de 1,5 g/t de ouro para o minério sulfetado.

A planta de produção de pastefill de Turmalina é responsável pela preparação e distribuição da pasta de enchimento, composta por uma mistura de água, cimento, rejeito filtrado (cake) e, quando conveniente, aditivos superplastificantes. Entre os benefícios do emprego do pastefill estão: 1) suporte estrutural da mina, com a melhoria da estabilidade das cavidades subterrâneas e redução do risco de desmoronamentos, contribuindo para a segurança dos trabalhadores; 2) gerenciamento de rejeitos, com redução do impacto ambiental da operação e volume de rejeitos armazenados na superfície da mina; 3) recuperação do minério adicional de pilares, com melhor aproveitamento do depósito mineral.

A instalação conta com misturadores, bombas de pasta, sistema de transporte e controle de qualidade para garantir a consistência e a resistência adequada da mistura. Quando a planta não está operando, o cake é depositado em pilhas de rejeito a seco.

Foto 2
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Processo

Para a realização do estudo, as amostras de cake foram coletadas diretamente da planta de beneficiamento da mina Turmalina e classificadas quimicamente, por meio de ensaios de difração e fluorescência de raios X – DRX e FRX, respectivamente, e fisicamente por meio de testes de umidade, granulometria a laser e densidade.

Foto 3
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Na sequência, foram reproduzidos em laboratório 48 corpos de prova cilíndricos, de 5 x 10 cm, divididos em quatro traços diferentes, com variação da porcentagem de cimento Portland aplicada de 1%, 2,5%, 3,5% e 5% moldados em corpos de prova cilíndricos de 5 x 10 cm (Foto 1). Realizaram-se, então, ensaios de mini abatimento (mini slump-test) e de resistência à compressão uniaxial, de acordo com o tempo de cura 7, 14, 21 e 28 dias.

Resultados

 O ensaio DRX, empregado para a identificação da substâncias inorgânicas presentes na amostra e para o estudo de suas estruturas cristalinas, revelou alta concentração de quartzo (44,9%), presença de clorita (21,8%), anortita (11,7%), biotita (10,8%), hornblenda (10,2%) e pirita (0,5%).

Já o ensaio FRX, que fornece informações sobre a composição química da amostra, identificou na composição do cake usado para a produção de pastefill em Turmalina, quase 60% de dióxido de silício (sílica), além da existência de cloro e óxidos de alumínio, ferro, magnésio, enxofre, cálcio, potássio, sódio, titânio, arsênio, manganês, fósforo, zinco, európio, cromo, níquel, vanádio, cobre, zircônio, estrôncio, rubídio, itérbio, ítrio, gálio e erídio.

A classificação granulométrica (Foto 2), realizada por meio de ensaio de granulometria por difração a laser, inferiu que, a amostra de rejeito de Turmalina apresenta um diâmetro de 4 micra, apresentando porosidade adequada para o objetivo do estudo. Por sua vez, o ensaio de umidade concluiu que a porcentagem média de água existente nas amostras coletadas foi de 27,40%.

Foto 4
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O mini-teste de slump (Foto 3) avalia a consistência de compostos cimentícios frescos, determinando sua trabalhabilidade no que se refere à facilidade com que o material pode ser misturado, transportado, colocado e compactado sem segregação ou exsudação. Nas amostras dos traços frescos de pastefill analisados (1%, 2,5%, 3,5% e 5% de cimento Portland), o resultado ficou entre 75 e 100 mm, confirmando a capacidade da pasta em se espalhar e se moldar adequadamente por entre as galerias escavadas na mineração subterrânea.

A consistência indicada pelo teste de slump deve ser comprovada pelo ensaio de resistência à compressão uniaxial, determinando a carga máxima que uma estrutura pode suportar antes de se romper (Foto 4). O parâmetro influencia na seleção de métodos de extração, dimensionamento de equipamentos, projeto de estruturas de suporte e estabilidade das minas. Em algumas minas de cobre e ouro, encontram-se valores de resistência de cerca de 1 MPa, com valores de 1 a 4% de ligante. Nas amostras analisadas, somente a pasta com 5% de cimento Portland em sua composição registrou UCS de 1,12 MPa aos 28 dias de cura, demonstrando a necessidade de um período maior para atingir sua resistência máxima em um ambiente não úmido.

Conclusões

A pesquisa contribuiu significativamente para o campo do método de enchimento na lavra subterrânea, retratando parâmetros químicos e físicos essenciais na elaboração das composições da pasta aplicada no Complexo Turmalina.

Ficou claro, ainda, que os maiores valores de resistência à compressão foram atingidos no traço contendo 5% de cimento, atingindo 1,12 MPa. Entretanto não é aconselhável afirmar que essa seja a proporção ideal de cimento/rejeito para um desempenho ótimo. Pasta com valores abaixo desse também podem proporcionar condições seguras de trabalho subterrâneo. Um exemplo é o traço contendo 3,5% de insumo ligante, que apresentou tendência de crescimento de seus valores de resistência e resultados satisfatórios para a granulometria original do cake (abaixo de 200 micra). Assim, a redução de 5 para 3,5% no teor de cimento pode resultar em economias significativas de custos para uma operação em grande escala como a de Turmalina, mantendo a segurança operacional da mina.

Já o traço aditivado em 2,5% de ligante apresentou resistência mediana, abrindo o leque para possibilidade de sua aplicação em realces intercalados por pilares, aumentando a reserva lavrável. Por sua vez, a pasta provendo 1% de cimento Portland apresentou baixos índices de resistência, devendo ser aplicada como preenchimento em locais não dependentes de alta resistência estrutural de suporte.

1 Engenheiro Civil pela UFSJ (Universidade Federal de São João del Rey) e Mestre em Engenharia Mineral pela UFOP; 2Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mineral da UFOP
*Dissertação de mestrado “Resistência à Compressão Uniaxial do Enchimento de Rejeito Cimentado na mina subterrânea de ouro Turmalina, da Jaguar Mining”, em colaboração das instituições UFOP e UFSJ.
Crédito Fotos: Daniel Garcia

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