Por: William Freire[1] e Ana Maria Damasceno de Carvalho Faria[2]
Tema recorrente para as empresas de mineração é a discussão sobre a possibilidade jurídica de revisar os contratos minerários. Os contratos minerários regulam, em regra, relações de longo prazo, dada a natureza também perene dos empreendimentos minerários. As Concessões de Lavra são outorgadas sem prazo determinado, ou seja, até que as reservas minerais se esgotem, o minerador prioritário pode explorar economicamente o material contido nas jazidas, sendo de sua propriedade exclusiva todo o produto da lavra. Essa é a previsão do artigo 176 da CF/88, que não restringe o conceito de produto da lavra em nenhum sentido – nem técnico, nem econômico, tampouco jurídico.
Esse regime especial atrai relações duradouras, como aquelas firmadas entre minerador e superficiário, minerador e Poder Público, minerador e terceiros diversos (prestadores de serviço, parceiros, colaboradores etc.).
Tão comum como contratos longevos, próprios do setor mineral, é também a pretensão de uma das partes de que eles sejam revistos, em razão de onerosidades excessivas supervenientes. Diferentemente de outras atividades de utilidade pública, como a geração e fornecimento de energia e as concessões viárias, que pressupõem um contrato de prestação de serviços, e, portanto, uma certa previsibilidade nas obrigações assumidas, a mineração é atividade de alto risco e sujeita a oscilações de mercado relevantes. Essa é uma das razões para que os pleitos revisionais sejam recorrentes no setor.
As ações revisionais de contratos são fundamentadas na possibilidade trazida nos artigos 478 e seguintes do Código Civil, que se aplicam sem restrições aos contratos minerários. Esse tema também é recorrente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
É possível se ter uma visão clara sobre os requisitos que a Corte Superior exige para que a revisão de cláusulas contratuais seja autorizada pelo Poder Judiciário. Tais requisitos são, basicamente: (i) superveniente onerosidade excessiva para a parte que pretende revisar o contrato; (ii) extrema vantagem para a outra parte, em razão de tal alteração fática; e (iii) que essa onerosidade tenha decorrido de algum evento extraordinário e imprevisível, por aplicação da Teoria da Imprevisão. Tais requisitos são cumulativos, o que significa que a mera alteração dos fluxos e tendências de mercado, por exemplo, não justifiquem, por si só, a possibilidade jurídica de revisão dos contratos.
Esse entendimento foi recentemente enfrentado em discussões judiciais havidas em razão da pandemia da Covid-19, que motivou elevação substancial do índice de reajuste de preços IGPM. Inúmeras ações foram propostas e passou-se a entender que as revisões contratuais até poderiam ser possíveis dado o fato imprevisível, mas que deveriam ser aplicadas no caso concreto, de modo a se demonstrar, também, o cumprimento dos demais requisitos da ação revisional. A conclusão é que a pandemia interferiu de forma substancial e consideravelmente prejudicial na relação negocial (a título de exemplo, o AgInt no AREsp 2750009/RN, julgado em 17/02/2025).
Há outros acórdãos que deixam esse posicionamento claro e uma posição restritiva do STJ de viabilizar a flexibilização do princípio do pacta sunt servanda[3], para não permitir a revisão de contratos. Nesse sentido: AgInt no REsp 1975137 / RJ, julgado em 14/10/2024; AgInt no REsp 1.993.767/CE, julgado em 04/09/2023; e AgInt no REsp 1644664 / RS, julgado em 27/08/2024.
Há um caso específico do setor mineral, julgado em 05/05/2005, e que, dado o lapso temporal, não representa entendimento atual e majoritário do STJ, no sentido de acolher a possibilidade de revisão de contrato de compra e venda de direitos minerários, em razão da inflação exacerbada. Trata-se do REsp 46532/MG que, além dessa imprevisibilidade identificada, para justificar a revisão do preço, também levou em consideração uma previsão específica do contrato objeto do caso concreto.
O que deve orientar, portanto, as decisões empresariais é que a revisão dos contratos é medida extrema, prevista para situações absolutamente excepcionais e imprevisíveis. Logo, os contratos de longo prazo, como os contratos minerários, tanto quanto possível e conveniente, podem prever mecanismos de revisão particulares e aplicáveis segundo as regras entabuladas pelas partes contratantes.
[1] WILLIAM FREIRE. Advogado. Professor de Direito Minerário. Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Minerário – IBDM. Diretor e coordenador do Departamento do Direito da Mineração do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Cocoordenador do Comitê de Direito da Mineração e Direito Ambiental do Centro de Estudo de Sociedade de Advogados – Cesa. Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil – Camarb. Alguns livros e capítulos de livros publicados: Comentários ao Código de Mineração. (2ª ed. 1995). Revista de Direito Minerário (1997. Vol. I – coordenador). Direito Ambiental Brasileiro (1998). Revista de Direito Minerário (2000. Vol. II – coordenador). Recurso Especial e Extraordinário (2002 – coautor). Os recursos cíveis e seu processamento nos Tribunais (2003 – coautor). Direito Ambiental aplicado à Mineração. Belo Horizonte: (2005). Natureza Jurídica do Consentimento para Pesquisa Mineral, do Consentimento para Lavra e do Manifesto de Mina no Direito brasileiro (2005). Código de Mineração em Inglês (2008 – cotradutor). Dicionário de Direito Minerário. Inglês – Português. (2ª ed. 2008 – coautor). Gestão de Crises e Negociações Ambientais (2009). Dicionário de Direito Ambiental e Vocabulário técnico de Meio Ambiente. (2ª ed. 2009 – coordenador). Mineração, Energia e Ambiente (2010 – coordenador). Fundamentals of Mining Law (2010). Código de Mineração Anotado e Legislação complementar em vigor. (5ª ed. 2010). Aspectos controvertidos do Direito Minerário e Ambiental (2013 – cocoordenador). The Mining Law Review. (6ª ed.). Capítulo do Brasil. London: The Mining Law Reviews (2017). Direito da Mineração. Cocoordenador (2017). Capítulo: Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa mineral. Riscos Jurídicos na Mineração. Manual (2019). O mínimo que todo empresário necessita saber sobre Direito Penal. Manual (2019 – coautor). International Comparative Legal Guides. Mining Law 2020: A practical cross-border insight into Mining Law. (7ª ed.). London: Global Legal Group Limited (2020), capítulo Brasil, e Direito Minerário: Acesso a imóvel de terceiro para pesquisa e lavra. (2ª ed. 2020). Direito da Mineração (Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2ª ed. 2023 – organizador).
[2] Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Mestra em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto – Ufop; Graduada em Direito pela UFMG; Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MINAS; Especialista em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e negócios – Cedin; Professora Universitária; Advogada e Diretora Administrativa do Instituto Brasileiro de Direito Minerário –IBDM. Membro do Comitê Jurídico e de Compliance do WIM Brasil. Sócia das áreas de Resolução de Disputas e Assuntos Fundiários no William Freire Advogados Associados. E-mail: ana@williamfreire.com.br.
[3] Trata-se do princípio que diz que os pactos devem ser cumpridos tal como foram ajustados